FILADELFIA, 26 Set. 15 / 07:00 pm (ACI).- Após algumas
palavras do Arcebispo da Filadélfia, Dom Charles J. Chaput, que falou da
atuação da Igreja no âmbito da liberdade
religiosa e do auxílio aos migrantes, muitos deles vindos da América Latina, o
Papa pronunciou um discurso desejando que todos, imigrantes ou cidadãos
nascidos nos EUA, sintam-se renovados na gratidão pelas muitas bênçãos e
liberdades de que gozam e possam defender estes direitos, especialmente o da
liberdade religiosa ante as ameaças presentes.
Queridos amigos! Boa Tarde!
Um dos momentos salientes da minha visita tem lugar aqui,
diante do Independence Mall, local do nascimento dos Estados Unidos da América.
Neste lugar, foram proclamadas pela primeira vez as liberdades que definem este
País. A Declaração de Independência afirmou que todos os homens e todas as
mulheres são criados iguais, que são dotados pelo seu Criador de alguns
direitos inalienáveis e que os governos existem para proteger e defender tais
direitos. Estas vibrantes palavras continuam a inspirar-nos hoje, tal como
inspiraram outros povos em todo o mundo, no combate pela liberdade de viver de
acordo com a sua dignidade.
Mas a história mostra também que esta verdade, como aliás
qualquer verdade, deve ser constantemente reafirmada, assumida e defendida. A
história desta nação é também a história dum esforço constante, até aos nossos
dias, para encarnar estes altos princípios na vida social e política.
Recordamos as grandes lutas que levaram à abolição da escravatura, à extensão
do direito de voto, ao crescimento do movimento operário, e ao esforço
progressivo por eliminar todas as formas de racismo e preconceito contra as
sucessivas ondas de novos americanos. Isto demonstra que um País, quando está
determinado a permanecer fiel aos seus princípios fundadores que se baseiam no
respeito pela dignidade humana, torna-se mais forte e renova-se.
Todos beneficiamos quando se faz memória do nosso passado.
Um povo que recorda não repete os erros do passado; pelo contrário, olha
confiante para os desafios do presente e do futuro. A memória salva a alma dum
povo de tudo aquilo ou de todos aqueles que poderiam tentar dominá-lo ou
utilizá-lo para os seus interesses. Quando o exercício efectivo dos respectivos
direitos é garantido aos indivíduos e às comunidades, estes não apenas se
sentem livres para realizar as suas potencialidades mas contribuem para o
bem-estar e enriquecimento da sociedade.
Neste lugar, que é um símbolo do espírito americano,
quereria reflectir convosco sobre o direito à liberdade religiosa. É um direito
fundamental que plasma o modo como interagimos social e pessoalmente com nossos
vizinhos, cujos pontos de vista religiosos são diferentes dos nossos.
A liberdade religiosa implica certamente o direito de adorar
a Deus, individual e comunitariamente, como a nossa consciência dita. Mas, por
outro lado, a liberdade religiosa transcende, por sua natureza, os lugares de
culto, bem como a esfera dos indivíduos e das famílias.
As nossas diferentes tradições religiosas servem a
sociedade, primariamente através da mensagem que proclamam. Convidam os
indivíduos e as comunidades a adorar a Deus, fonte de cada vida, da liberdade e
da bondade. Lembram-nos a dimensão transcendente da existência humana e a nossa
liberdade irredutível contra qualquer pretensão de poder absoluto. Basta lançar
um olhar à história, especialmente à do século passado, para ver as atrocidades
perpetradas pelos sistemas que pretenderam construir este ou aquele «paraíso
terrestre» dominando os povos, subjugando-os com princípios aparentemente
indiscutíveis e negando-lhes qualquer tipo de direito. As nossas ricas
tradições religiosas procuram oferecer significado e orientação, «possuem uma
força motivadora que abre sempre novos horizontes, estimula o pensamento,
engrandece a mente e a sensibilidade» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 256).
Chamam à conversão, à reconciliação, ao compromisso em prol do futuro da
sociedade, ao sacrifício de si mesmo no serviço do bem comum, e à compaixão por
aqueles passam necessidade. No coração da sua missão espiritual, encontra-se a
proclamação da verdade e da dignidade da pessoa humana, bem como dos direitos
humanos.
As nossas tradições religiosas lembram-nos que, enquanto
seres humanos, somos chamados a reconhecer o Outro que revela a nossa
identidade relacional contra qualquer tentativa de instaurar «uma uniformidade
que o egoísmo do forte, o conformismo do fraco, ou ainda a ideologia do
utopista poderia procurar impor-nos» (M. de Certeau).
Num mundo onde as diferentes formas de moderna tirania
procuram suprimir a liberdade religiosa, ou reduzi-la a uma subcultura sem
direito de expressão na esfera pública, ou ainda usar a religião como pretexto
para o ódio e a brutalidade, torna-se forçoso que os seguidores das diferentes
religiões unam a sua voz para invocar a paz, a tolerância, o respeito pela
dignidade e os direitos dos outros.
Vivemos num mundo sujeito «à globalização do paradigma
tecnocrático» (Enc. Laudato si’, 106), que visa conscientemente uma
uniformidade unidimensional e procura eliminar todas as diferenças e as
tradições numa busca superficial de unidade. As religiões têm, portanto, o
direito e o dever de fazer compreender que é possível construir uma sociedade
onde «um são pluralismo, que respeite verdadeiramente aqueles que pensam
diferente e os valores como tais» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 255), é um
«precioso aliado no compromisso pela defesa da dignidade humana, (...) um
caminho de paz para o nosso mundo ferido» (ibid., 257).
Os Quakers, que fundaram Filadélfia, viviam inspirados por
um profundo sentido evangélico da dignidade de cada pessoa e pelo ideal duma
comunidade unida pelo amor fraterno. Tal convicção levou-os a fundar uma
colónia que haveria de ser um paraíso de liberdade religiosa e tolerância. Este
significado de compromisso fraterno em prol da dignidade de todos,
especialmente dos mais fracos e vulneráveis, tornou-se parte essencial do
espírito americano. Durante a sua visita aos Estados Unidos em 1987, São João
Paulo II prestou-vos um comovente tributo, lembrando a todos os americanos que
«a prova decisiva da vossa grandeza é o modo como tratais cada ser humano, mas
de maneira especial os mais fracos e os mais indefesos» (Discurso na cerimónia
de despedida no Aeroporto de Detroit, 19 de Setembro de 1987, 3).
Aproveito agora a ocasião para agradecer a todos aqueles que
procuraram, qualquer que seja a sua religião, servir o Deus da paz construindo
cidades animadas pelo amor fraterno, cuidando do próximo em necessidade,
defendendo a dignidade do dom divino da vida em todas as sua fases, defendendo
a causa dos pobres e dos imigrantes. Com muita frequência, aqueles que precisam
da nossa ajuda são incapazes de se fazer ouvir. Vós sois a sua voz, e muitos
dentre vós permitiram lealmente que o seu grito fosse ouvido. Com este
testemunho, que muitas vezes encontra forte resistência, recordais à democracia
americana os ideais para que foi fundada, e que a sociedade debilita-se sempre
e em toda a parte onde prevalece a injustiça.
No nosso meio, temos hoje membros da grande população
hispânica da América, bem como representantes de imigrantes recentes nos
Estados Unidos. A todos saúdo com particular afecto! Muitos de vós são
imigrantes neste país, pagando pessoalmente um alto preço, mas com a esperança
de construir uma nova vida. Não desanimeis com os desafios e as dificuldades
que tendes de enfrentar, sejam eles quais forem. Peço para não vos esquecerdes
que, tal como aqueles que vieram antes de vós, trazeis muitos talentos à vossa
nova nação. Não vos envergonheis das vossas tradições. Não esqueçais as lições
que aprendestes dos vossos antepassados e que podem enriquecer a vida deste
país americano. Repito: não vos envergonheis daquilo que faz parte de vós, o
sangue da vossa vida. Também vós sois chamados a ser cidadãos responsáveis e a
contribuir frutuosamente para a vida das comunidades onde viveis. Penso de modo
particular na fé fervorosa de muitos de vós, no sentido profundo da vida
familiar e em todos os outros valores que recebeste sem herança. Trazendo as
vossas contribuições, não só encontrareis o vosso lugar aqui, mas ajudareis a
sociedade a renovar-se a partir de dentro.
Queridos amigos, agradeço o vosso caloroso acolhimento e o
facto de vos terdes reunido hoje comigo. Possam esta nação e cada um de vós
sentir-se renovados na gratidão pelas muitas bênçãos e liberdades de que
gozais. E possais defender estes direitos, especialmente a vossa liberdade
religiosa, porque esta foi-vos dada pelo próprio Deus. Ele vos abençoe a todos.
Peço-vos, por favor, que não vos esqueçais de rezar por mim.
Fonte: ACI digital
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