Em resposta, podemos
dizer que realmente um milagre nunca aconteceu nem acontecerá em tais
circunstâncias, porque lhe faltaria a condição essencial do milagre, isto é, o
contexto religioso de oração, humildade e confiança na Misericórdia de Deus. Se
Deus realizasse um milagre nas circunstâncias enunciadas por Renan, faria um
ato de prestidigitação, um show, e não uma obra religiosa ou um sinal-resposta
como é o milagre; prestar-se-ia a satisfazer à curiosidade e ao orgulho dos
homens que pretendessem impor a Deus as circunstâncias dentro das quais Ele
deveria agir para merecer a fé das suas criaturas.
Uma dúvida
As explicações dadas
deixam margem à seguinte interrogação: o milagre é tido como um sinal de Deus
(…) Mas como saber que é efeito da Sabedoria Divina, quando poderia muito bem
ser tido como produto das leis da natureza que ainda desconhecemos ?
Respondemos:
se o milagre não
fosse devido a uma intervenção especial de Deus, mas, sim, às forças da
natureza desconhecidas, essas forças deveriam agir em qualquer contexto, quer
religioso, quer profano. Ora, os milagres ocorrem em contexto religioso, e não
em contexto profano. E note-se bem: os milagres não são fatos esporádicos e
raros; são fatos numerosos, bem peneirados e diagnosticados por peritos (veja-se
o artigo seguinte deste mesmo fascículo). Se se tratasse de casos isolados e
raros, poder-se-ia admitir coincidência entre o fato portentoso e o contexto
religioso. Assim, no tocante a Lourdes registram-se numerosos fatos
inexplicáveis pela ciência (…). Será admissível que somente em Lourdes ou em
lugar onde se implora humildemente uma cura ou um sinal de Deus, as forças
desconhecidas da natureza produzem seus efeitos portentosos? Se são
simplesmente as leis da natureza que se exercem quando falamos de milagres, por
que só se exercem em circunstâncias religiosas? – Aliás, é falso dizer que hoje
em dia ocorrem menos milagres do que outrora; o que acontece é que outrora mais
facilmente se acreditava ser milagre o que era um simples fenômeno
parapsicológico ou fisiológico ou físico.
Ademais, é de notar
que, para se poder falar de milagre, é necessário que o fenômeno portentoso
seja instantâneo e cabal; não ocorra paulatina e progressivamente, como
acontece nas curas obtidas por ação da própria natureza. A sugestão pode curar
estados de ânimo perturbado ou moléstias psicogênicas; a cura geralmente é
progressiva em tais casos. Ora, o milagre supõe doenças orgânicas, às vezes em
fase terminal ou quase terminal (…), obtendo-se então a cura instantânea ou
extraordinariamente rápida.
Além disso,
observa-se que em grupos religiosos (ou não religiosos) não católicos ocorrem
forte emoções, estados de ânimo entusiástico, que poderiam levar a curas
milagrosas. Todavia, verifica-se que somente no Catolicismo se dão fenômenos
portentosos em número relevante, devidamente examinados e diagnosticados por
peritos não católicos. As forças desconhecidas da natureza só teriam o pode de
atuar em ambiente católico? A resposta a esta pergunta é negativa; se somente
as forças da natureza entrassem em jogo, quando se fala de milagres, deveria
haver milagres solidamente comprovados em ambientes religiosos não católicos e
em ambiente profanos. Ora, tal não se verifica – o que quer dizer que, quando
se fala de milagre no Catolicismo, se supõe uma intervenção de Deus especial
que move as forças da natureza para agirem de modo extraordinário aos olhos de
quem acompanha o fenômeno.
Resta agora
considerar outra objeção que alguns católicos fazem contra o valor do milagre.
CRER POR CAUSA DOS MILAGRES OU APESAR DOS MILAGRES?
Há católicos que se
sentem embaraçados pela apresentação de milagres e afirmam crer que não por
causa dos milagres, mas apesar dos milagres.
A propósito, deve-se
afirmar que o cristão não crê em Cristo e na Igreja por causa dos milagres. Não
há razões humanas cuja evidência obrigue o homem a crer; a fé será sempre uma
adesão à Palavra de deus no claro-escuro ou na penumbra. É a resposta a Deus
que chama a atenção e atrai, mas deixa a liberdade ao homem para que diga Sim
ou Não ao Senhor.
Deve-se, porém, dizer
que, se a fé é um ato da inteligência humana que responde à Verdade de Deus,
ela não é um ato cego, mas um ato baseado sobre credenciais. Por isso, à
atração interior de Deus que chama, se associam motivos extrínsecos ou critérios
racionais que evidenciam a credibiligade da Palavra de Deus; entre esses
critérios extrínsecos e racionais estão os milagres. Estes são fatos
experimentais, que a inteligência humana examina com todo o seu a cume; quando
ela verifica que são sinais de Deus inexplicáveis pelas forças da natureza, a
inteligência humana os assume como credenciais das verdades da fé.
Diz o Concílio do Vaticano I :
“A fim de que o
obséquio da nossa fé seja consentâneo com a nossa razão, quis Deus que, com os
subsídios interiores ministrados pelo Espírito Santo, fossem dadas provas
exteriores da Revelação, isto é, fatos divinos, em primeiro lugar os milagres e
as profecias, que são certíssimos sinais da revelação divina” (Constituição Dei
Filius, de 24/04/1870).
Por conseguinte, o
cristão não crê por causa dos milagres, mas é ajudado por estes, visto que os
milagres tornam razoável o ato de fé e assim também o tornam mais fácil.
Como sinal de Deus, o
milagre é uma ajuda ao ato de fé …, ajuda em duplo sentido: 1) para o homem indiferente
e distante de Deus, pode ser uma “sacudidela”, um empurrão que o leve a colocar
o problema de Deus, da religião e da fé, pois lhe abre perspectivas que fogem à
rotina dos acontecimentos; 2) para a pessoa
que já crê, o milagre pode ser um apoio em suas dúvidas e tentações.
Particularmente em nossos dias, quando a fé é atacada de vários modos e o
cristão ressente os embates respectivos, o milagre é um sinal de que Deus está
presente à história dos homens; o milagre é uma entrada de Deus no cotidiano
dos homens, que lhes chama a atenção e aviva a convicção de que o amor de Deus
não esquece os homens mesmo nos momentos de mais intenso silêncio.
Este artigo muito deve ao Editoral de La Civilità Cattolica, nº 3.443,
4/12/1993, pp. 425-438).
http://cleofas.com.br/
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