Certezas e erros
Se o encontro com Deus em todas as coisas não é um «eureka empírico» — digo ao Papa — e se, portanto, se trata de um caminho que lê a história, podem cometer-se erros...
«Sim, neste procurar e encontrar Deus em todas as coisas fica sempre uma zona de incertezas. Tem que ser assim. Se uma pessoa diz que encontrou Deus com certeza total e não aflora uma margem de incerteza, então não está bem. Para mim, esta é uma chave importante. Se alguém tem a resposta a todas as perguntas, esta é a prova de que Deus não está com ela. Quer dizer que é um falso profeta, que usa a religião para si próprio. Os grandes guias do povo de Deus, como Moisés, sempre deixaram espaço para a dúvida. Devemos deixar espaço ao Senhor, não às nossas certezas. É necessário ser humilde. A incerteza existe em cada discernimento verdadeiro que se abre à confirmação da consolação espiritual».
«O risco no procurar e encontrar Deus em todas as coisas é, pois, a vontade de explicar demasiado, de dizer com certeza humana e arrogância: “Deus está aqui”. Encontraremos somente um deus à nossa medida. A atitude correta é a agostiniana: procurar a Deus para O encontrar e encontrá-l’O para O procurar sempre. E muitas vezes procura-se por tentativas, como se lê na Bíblia. É esta a experiência dos grandes Pais da Fé, que são o nosso modelo. É necessário reler o capítulo 11 da Carta aos Hebreus. Abraão partiu sem saber para onde ia, pela fé. Todos os nossos antepassados da fé morreram vendo os bens prometidos, mas longe... A nossa vida não nos é dada como um libreto de ópera onde está tudo escrito, mas é ir, caminhar, fazer, procurar, ver... Deve-se entrar na aventura da procura do encontro e do deixar-se procurar e deixar-se encontrar por Deus».
«Porque Deus está antes, Deus está sempre antes, Deus antecede. Deus é um pouco como a flor da amendoeira da tua Sicília, António, que floresce sempre antes3 . Lemo-lo nos profetas. Portanto, encontra-se Deus caminhando, no caminho. E neste ponto alguém poderia dizer que isto é relativismo. É relativismo? Sim, se é mal interpretado, como espécie de panteísmo indistinto. Não, se é interpretado em sentido bíblico, onde Deus é sempre uma surpresa e, portanto, não sabes nunca onde e como O encontras, não és tu a fixar os tempos e os lugares do encontro com Ele. É necessário, portanto, discernir o encontro. Por isso, o discernimento é fundamental».
«Se o cristão é restauracionista, legalista, se quer tudo claro e seguro, então não encontra nada. A tradição e a memória do passado devem ajudar-nos a ter a coragem de abrir novos espaços para Deus. Quem hoje procura sempre soluções disciplinares, quem tende de modo exagerado à “segurança” doutrinal, quem procura obstinadamente recuperar o passado perdido, tem uma visão estática e involutiva. E deste modo a fé torna-se uma ideologia entre tantas. Tenho uma certeza dogmática: Deus está na vida de cada pessoa. Deus está na vida de cada um. Mesmo se a vida de uma pessoa foi um desastre, se se encontra destruída pelos vícios, pela droga ou por qualquer outra coisa, Deus está na sua vida. Pode-se e deve-se procurar na vida humana. Mesmo se a vida de uma pessoa é um terreno cheio de espinhos e ervas daninhas, há sempre um espaço onde a semente boa pode crescer. É preciso confiar em Deus».
«Sim, neste procurar e encontrar Deus em todas as coisas fica sempre uma zona de incertezas. Tem que ser assim. Se uma pessoa diz que encontrou Deus com certeza total e não aflora uma margem de incerteza, então não está bem. Para mim, esta é uma chave importante. Se alguém tem a resposta a todas as perguntas, esta é a prova de que Deus não está com ela. Quer dizer que é um falso profeta, que usa a religião para si próprio. Os grandes guias do povo de Deus, como Moisés, sempre deixaram espaço para a dúvida. Devemos deixar espaço ao Senhor, não às nossas certezas. É necessário ser humilde. A incerteza existe em cada discernimento verdadeiro que se abre à confirmação da consolação espiritual».
«O risco no procurar e encontrar Deus em todas as coisas é, pois, a vontade de explicar demasiado, de dizer com certeza humana e arrogância: “Deus está aqui”. Encontraremos somente um deus à nossa medida. A atitude correta é a agostiniana: procurar a Deus para O encontrar e encontrá-l’O para O procurar sempre. E muitas vezes procura-se por tentativas, como se lê na Bíblia. É esta a experiência dos grandes Pais da Fé, que são o nosso modelo. É necessário reler o capítulo 11 da Carta aos Hebreus. Abraão partiu sem saber para onde ia, pela fé. Todos os nossos antepassados da fé morreram vendo os bens prometidos, mas longe... A nossa vida não nos é dada como um libreto de ópera onde está tudo escrito, mas é ir, caminhar, fazer, procurar, ver... Deve-se entrar na aventura da procura do encontro e do deixar-se procurar e deixar-se encontrar por Deus».
«Porque Deus está antes, Deus está sempre antes, Deus antecede. Deus é um pouco como a flor da amendoeira da tua Sicília, António, que floresce sempre antes3 . Lemo-lo nos profetas. Portanto, encontra-se Deus caminhando, no caminho. E neste ponto alguém poderia dizer que isto é relativismo. É relativismo? Sim, se é mal interpretado, como espécie de panteísmo indistinto. Não, se é interpretado em sentido bíblico, onde Deus é sempre uma surpresa e, portanto, não sabes nunca onde e como O encontras, não és tu a fixar os tempos e os lugares do encontro com Ele. É necessário, portanto, discernir o encontro. Por isso, o discernimento é fundamental».
«Se o cristão é restauracionista, legalista, se quer tudo claro e seguro, então não encontra nada. A tradição e a memória do passado devem ajudar-nos a ter a coragem de abrir novos espaços para Deus. Quem hoje procura sempre soluções disciplinares, quem tende de modo exagerado à “segurança” doutrinal, quem procura obstinadamente recuperar o passado perdido, tem uma visão estática e involutiva. E deste modo a fé torna-se uma ideologia entre tantas. Tenho uma certeza dogmática: Deus está na vida de cada pessoa. Deus está na vida de cada um. Mesmo se a vida de uma pessoa foi um desastre, se se encontra destruída pelos vícios, pela droga ou por qualquer outra coisa, Deus está na sua vida. Pode-se e deve-se procurar na vida humana. Mesmo se a vida de uma pessoa é um terreno cheio de espinhos e ervas daninhas, há sempre um espaço onde a semente boa pode crescer. É preciso confiar em Deus».
3 O Padre António Spadaro, autor desta entrevista é um jesuíta italiano, nascido na Sicília.
Devemos ser optimistas?
Estas palavras do Papa recordam-me algumas reflexões suas do passado, nas quais o então cardeal Bergoglio escreveu que Deus vive já na cidade, vitalmente misturado no meio de todos e unido a cada um. É um outro modo, na minha opinião, para dizer o que Santo Inácio escreve nos Exercícios Espirituais, ou seja, que Deus «trabalha e opera» no nosso mundo. Pergunto-lhe então: «Devemos ser optimistas? Quais são os sinais de esperança no mundo de hoje? Como conseguir ser optimista num mundo em crise?»
«Não gosto de usar a palavra “optimismo”, porque indica uma atitude psicológica. Gosto, pelo contrário, de usar a palavra “esperança”, segundo aquilo que se lê no capítulo 11 da Carta aos Hebreus, como já citei. Os Pais continuaram a caminhar, atravessando grandes dificuldades. E a esperança não engana, como lemos naCarta aos Romanos. Pensa, pelo contrário, no primeiro enigma da ópera Turandot, de Puccini», pede-me o Papa.
«Não gosto de usar a palavra “optimismo”, porque indica uma atitude psicológica. Gosto, pelo contrário, de usar a palavra “esperança”, segundo aquilo que se lê no capítulo 11 da Carta aos Hebreus, como já citei. Os Pais continuaram a caminhar, atravessando grandes dificuldades. E a esperança não engana, como lemos naCarta aos Romanos. Pensa, pelo contrário, no primeiro enigma da ópera Turandot, de Puccini», pede-me o Papa.
Naquele momento recordei, um pouco de memória, os versos daquele enigma da princesa que tem como resposta a esperança: Na noite escura voa um fantasma / Iluminado. / Sobe e abre as asas / Sobre a negra infinita humanidade. / Todo o mundo o invoca / E todo mundo o implora. / Mas o fantasma desaparece com a Aurora para renascer no / coração. / E cada noite nasce e cada dia morre! Versos que revelam o desejo de uma esperança que aqui, no entanto, é um fantasma cintilante e que desaparece com a aurora.
«Aqui está — continua o Papa —,a esperança cristã não é um fantasma e não engana. É uma virtude teologal e, portanto, definitivamente, um presente de Deus que não se pode reduzir ao optimismo, que é apenas humano. Deus não defrauda a esperança, não pode negar-Se a Si mesmo. Deus é todo promessa.
«Aqui está — continua o Papa —,a esperança cristã não é um fantasma e não engana. É uma virtude teologal e, portanto, definitivamente, um presente de Deus que não se pode reduzir ao optimismo, que é apenas humano. Deus não defrauda a esperança, não pode negar-Se a Si mesmo. Deus é todo promessa.
A arte e a criatividade
Fico impressionado pela citação de Turandot para falar do mistério da esperança. Gostaria de compreender melhor quais são as suas referências artísticas e literárias. Recordo-lhe que em 2006 tinha dito que os grandes artistas sabem apresentar com beleza as realidades trágicas e dolorosas da vida. Pergunto então quais são os artistas e escritores que prefere; se eles têm algo em comum...
«Gostei muito de autores diferentes entre si. Gosto muitíssimo de Dostoiévski e Hölderlin. De Hölderlin quero recordar aquela poesia para o aniversário da sua avó, que é de grande beleza e que me fez tanto bem espiritual. É aquela que termina com o verso “Que o homem mantenha o que o rapaz prometeu”. Impressionou-me também porque amava muito a minha avó Rosa, e ali Hölderlin compara a sua avó a Maria que gerou Jesus, que para ele é o amigo da terra que não considerou ninguém estrangeiro. Li I Promessi Sposi três vezes e tenho-o agora sobre a mesa para reler. Manzoni deu-me muito. A minha avó, quando eu era criança, ensinou-me de cor o início dos Promessi Sposi: “Quel ramo del lago di Como, che volge a mezzogiorno, tra due catene non interrotte di monti…”(Dos dois braços que formam o lago de Como, um deles dirige-se para o sul, entre duas cadeias ininterruptas de montanhas…) Também gostei muito de Gerard Manley Hopkins».
«Na pintura admiro Caravaggio: as suas telas falam-me. Mas também Chagall, com a sua Crucifixão Branca...».
«Na música gosto muito de Mozart, obviamente. Aquele Et Incarnatus est da sua Missa em Dó é insuperável: leva-te a Deus! Gosto muito de Mozart executado por Clara Haskil. Mozart preenche-me: não posso pensá-lo, devo ouvi-lo. Gosto de ouvir Beethoven, mas prometeicamente. E o intérprete mais prometeico para mim é Furtwängler. E depois as Paixões de Bach. O trecho de Bach de que gosto muito é o Erbarme Dich, o pranto de Pedro da Paixão segundo São Mateus. Sublime. Depois, num outro nível, não tão íntimo, gosto de Wagner. Gosto de ouvi-lo, mas não sempre. A Tetralogia do Anel executada por Furtwängler no Scala nos anos 50 é, para mim, a melhor. Mas também o Parsifal executado em 1962 por Knappertsbusch».
«Deveríamos também falar do cinema. La strada de Fellini é talvez o filme de que mais gostei. Identifico-me com aquele filme, no qual está implícita uma referência a São Francisco. Depois, creio ter visto todos os filmes com Anna Magnani e Aldo Fabrizi quando eu tinha entre 10 e 12 anos. Um outro filme de que muito gostei éRoma città aperta. Devo a minha cultura cinematográfica sobretudo aos meus pais, que nos levavam frequentemente ao cinema».
«Em todo o caso, em geral gosto muito dos artistas trágicos, especialmente os mais clássicos. Há uma bela definição que Cervantes coloca na boca do bacharel Carrasco para fazer o elogio da história de Dom Quixote: “Os rapazes têm-na entre as mãos, os jovens lêem-na, os adultos entendem-na, os velhos elogiam-na”. Esta, para mim, pode ser uma boa definição para os clássicos».
Apercebo-me de estar absorvido por estas suas referências e de ter o desejo de entrar na sua vida, pela porta das suas escolhas artísticas. Seria um percurso a fazer, imagino que longo. E incluiria também o cinema, do neo-realismo italiano até a A Festa de Babette. Vêm-me à mente outros autores e outras obras que ele citou noutras ocasiões, mesmo menores ou menos conhecidas ou locais: de Martín Fierro de José Hernández à poesia de Nino Costa, a Il grande esodo de Luigi Orsenigo. Mas penso também em Joseph Malègue e José María Pemán. E, obviamente, em Dante e Borges, mas também em Leopoldo Marechal, o autor de Adán Buenosayres, El banquete de Severo Arcángelo e Megafón o la guerra.
Penso em particular precisamente em Jorge Luis Borges, porque Bergoglio, quando tinha 28 anos e era professor de Literatura em Santa Fé no Colegio de la Inmaculada Concepción, conheceu-o directamente. Bergoglio ensinava os últimos dois anos do Liceu e encaminhou os seus rapazes para a escrita criativa. Também eu tive uma experiência parecida à sua, quando tinha a mesma idade, no Istituto Massimo de Roma, fundando BombaCarta, e conto-lha. No final, peço ao Papa para me contar a sua experiência.
«Foi uma coisa um pouco arriscada — responde. Devia fazer de tal modo que os meus alunos estudassem El Cid. Mas os rapazes não gostavam. Pediam-me para ler García Lorca. Então decidi que deveriam estudar El Cid em casa e durante as lições eu trataria os autores de que os rapazes mais gostavam. Obviamente, os jovens queriam ler as obras literárias mais “picantes”, contemporâneas como La casada infiel ou clássicas como La Celestina de Fernando de Rojas. Mas, ao ler estas coisas que os atraíam naquele momento, ganhavam mais gosto em geral pela literatura, pela poesia e passavam a outros autores. Para mim, esta foi uma grande experiência. Cumpri o programa, mas de modo desestruturado, isto é, não ordenado segundo aquilo que estava previsto, mas segundo uma ordem que resultava natural na leitura dos autores. E esta modalidade tinha muito que ver comigo: não gostava de fazer uma programação rígida, mas eventualmente saber mais ou menos onde chegar. Então comecei também a fazê-los escrever. No final decidi dar a ler a Borges dois contos escritos pelos meus rapazes. Conhecia a sua secretária, que tinha sido a minha professora de piano. Borges gostou muitíssimo e então ele propôs escrever a introdução de uma colectânea».
«Então, Santo Padre, para a vida de uma pessoa a criatividade é importante?», pergunto-lhe. Ele ri e responde: «Para um jesuíta é extremamente importante! Um jesuíta deve ser criativo».
«Gostei muito de autores diferentes entre si. Gosto muitíssimo de Dostoiévski e Hölderlin. De Hölderlin quero recordar aquela poesia para o aniversário da sua avó, que é de grande beleza e que me fez tanto bem espiritual. É aquela que termina com o verso “Que o homem mantenha o que o rapaz prometeu”. Impressionou-me também porque amava muito a minha avó Rosa, e ali Hölderlin compara a sua avó a Maria que gerou Jesus, que para ele é o amigo da terra que não considerou ninguém estrangeiro. Li I Promessi Sposi três vezes e tenho-o agora sobre a mesa para reler. Manzoni deu-me muito. A minha avó, quando eu era criança, ensinou-me de cor o início dos Promessi Sposi: “Quel ramo del lago di Como, che volge a mezzogiorno, tra due catene non interrotte di monti…”(Dos dois braços que formam o lago de Como, um deles dirige-se para o sul, entre duas cadeias ininterruptas de montanhas…) Também gostei muito de Gerard Manley Hopkins».
«Na pintura admiro Caravaggio: as suas telas falam-me. Mas também Chagall, com a sua Crucifixão Branca...».
«Na música gosto muito de Mozart, obviamente. Aquele Et Incarnatus est da sua Missa em Dó é insuperável: leva-te a Deus! Gosto muito de Mozart executado por Clara Haskil. Mozart preenche-me: não posso pensá-lo, devo ouvi-lo. Gosto de ouvir Beethoven, mas prometeicamente. E o intérprete mais prometeico para mim é Furtwängler. E depois as Paixões de Bach. O trecho de Bach de que gosto muito é o Erbarme Dich, o pranto de Pedro da Paixão segundo São Mateus. Sublime. Depois, num outro nível, não tão íntimo, gosto de Wagner. Gosto de ouvi-lo, mas não sempre. A Tetralogia do Anel executada por Furtwängler no Scala nos anos 50 é, para mim, a melhor. Mas também o Parsifal executado em 1962 por Knappertsbusch».
«Deveríamos também falar do cinema. La strada de Fellini é talvez o filme de que mais gostei. Identifico-me com aquele filme, no qual está implícita uma referência a São Francisco. Depois, creio ter visto todos os filmes com Anna Magnani e Aldo Fabrizi quando eu tinha entre 10 e 12 anos. Um outro filme de que muito gostei éRoma città aperta. Devo a minha cultura cinematográfica sobretudo aos meus pais, que nos levavam frequentemente ao cinema».
«Em todo o caso, em geral gosto muito dos artistas trágicos, especialmente os mais clássicos. Há uma bela definição que Cervantes coloca na boca do bacharel Carrasco para fazer o elogio da história de Dom Quixote: “Os rapazes têm-na entre as mãos, os jovens lêem-na, os adultos entendem-na, os velhos elogiam-na”. Esta, para mim, pode ser uma boa definição para os clássicos».
Apercebo-me de estar absorvido por estas suas referências e de ter o desejo de entrar na sua vida, pela porta das suas escolhas artísticas. Seria um percurso a fazer, imagino que longo. E incluiria também o cinema, do neo-realismo italiano até a A Festa de Babette. Vêm-me à mente outros autores e outras obras que ele citou noutras ocasiões, mesmo menores ou menos conhecidas ou locais: de Martín Fierro de José Hernández à poesia de Nino Costa, a Il grande esodo de Luigi Orsenigo. Mas penso também em Joseph Malègue e José María Pemán. E, obviamente, em Dante e Borges, mas também em Leopoldo Marechal, o autor de Adán Buenosayres, El banquete de Severo Arcángelo e Megafón o la guerra.
Penso em particular precisamente em Jorge Luis Borges, porque Bergoglio, quando tinha 28 anos e era professor de Literatura em Santa Fé no Colegio de la Inmaculada Concepción, conheceu-o directamente. Bergoglio ensinava os últimos dois anos do Liceu e encaminhou os seus rapazes para a escrita criativa. Também eu tive uma experiência parecida à sua, quando tinha a mesma idade, no Istituto Massimo de Roma, fundando BombaCarta, e conto-lha. No final, peço ao Papa para me contar a sua experiência.
«Foi uma coisa um pouco arriscada — responde. Devia fazer de tal modo que os meus alunos estudassem El Cid. Mas os rapazes não gostavam. Pediam-me para ler García Lorca. Então decidi que deveriam estudar El Cid em casa e durante as lições eu trataria os autores de que os rapazes mais gostavam. Obviamente, os jovens queriam ler as obras literárias mais “picantes”, contemporâneas como La casada infiel ou clássicas como La Celestina de Fernando de Rojas. Mas, ao ler estas coisas que os atraíam naquele momento, ganhavam mais gosto em geral pela literatura, pela poesia e passavam a outros autores. Para mim, esta foi uma grande experiência. Cumpri o programa, mas de modo desestruturado, isto é, não ordenado segundo aquilo que estava previsto, mas segundo uma ordem que resultava natural na leitura dos autores. E esta modalidade tinha muito que ver comigo: não gostava de fazer uma programação rígida, mas eventualmente saber mais ou menos onde chegar. Então comecei também a fazê-los escrever. No final decidi dar a ler a Borges dois contos escritos pelos meus rapazes. Conhecia a sua secretária, que tinha sido a minha professora de piano. Borges gostou muitíssimo e então ele propôs escrever a introdução de uma colectânea».
«Então, Santo Padre, para a vida de uma pessoa a criatividade é importante?», pergunto-lhe. Ele ri e responde: «Para um jesuíta é extremamente importante! Um jesuíta deve ser criativo».
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