1° Leitura Is 53, 10-11
Sl 32(33)
2° Leitura Hb 4, 14-16
Evangelho Mc 10, 35-45
Transformar a dor em amor
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo Marcos
(Mc 10, 35-45)
Naquele tempo, Tiago e João, filhos de Zebedeu, foram a
Jesus e lhe disseram: "Mestre, queremos que faças por nós o que vamos
pedir".
Ele perguntou: "O que quereis que eu vos faça?"
Eles responderam: "Deixa-nos sentar um à tua direita e
outro à tua esquerda, quando estiveres na tua glória!"
Jesus então lhes disse: "Vós não sabeis o que pedis.
Por acaso podeis beber o cálice que eu vou beber? Podeis ser batizados com o
batismo com que vou ser batizado?" Eles responderam: "Podemos".
E ele lhes disse: "Vós bebereis o cálice que eu devo
beber, e sereis batizados com o batismo com que eu devo ser batizado. Mas não
depende de mim conceder o lugar à minha direita ou à minha esquerda. É para
aqueles a quem foi reservado".
Quando os outros dez discípulos ouviram isso, indignaram-se
com Tiago e João. Jesus os chamou e disse: "Vós sabeis que os chefes das
nações as oprimem e os grandes as tiranizam. Mas, entre vós, não deve ser
assim; quem quiser ser grande, seja vosso servo; e quem quiser ser o primeiro,
seja o escravo de todos. Porque o Filho do Homem não veio para ser servido, mas
para servir e dar a sua vida como resgate para muitos".
*
O coração do Evangelho deste domingo encontra-se condensado
na última sentença de Nosso Senhor: "O Filho do Homem – diz Ele – não veio
para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate para
muitos" (v. 45). A palavra grega λύτρον, traduzida aqui por
"resgate", quer dizer, literalmente, o preço que se paga para
alforriar um escravo. O mesmo sentido tem o vocábulo "redenção",
derivado da palavra latina redimere, que quer dizer, ao pé da letra,
"comprar de novo" (re-emere).
Quando, porém, Jesus opera o Seu serviço (διακονῆσαι) e
oferece a Sua vida em resgate? Tudo começa, sem dúvida, no mistério da
Encarnação, como atesta o Autor Sagrado: "Por essa razão, ao entrar no
mundo, Cristo declara: 'Não quiseste vítima nem oferenda, mas formaste um corpo
para mim" (Hb 10, 5-7). Porém, é sobretudo no alto da Cruz que se realiza
a redenção da humanidade. Derramando o Seu precioso sangue no madeiro e
ofertando ao Pai o Seu amor infinito, Nosso Senhor repara a ofensa infinita que
é o pecado e cancela a pena infinita devida por esse mal – o inferno.
Por isso, é possível dizer, com Santa Teresinha do Menino
Jesus, que todo pecado não passa de uma "gota de água lançada num braseiro
ardente":
"Poderiam pensar que é porque não cometi pecados que
tenho uma confiança tão grande no Bom Deus. Dizei claramente, minha Mãe, que se
eu tivesse cometido todos os crimes possíveis, teria sempre a mesma confiança.
Sinto que toda essa multidão de ofensas seria como gota de água lançada num
braseiro ardente." [1]
Os Pais de Santa Teresinha. Zélia Guérin e Luís Martin |
Ao exprimir-se nesses termos, Teresa de Lisieux aponta para
a grandeza do que operou Jesus: Ele verdadeiramente assumiu as nossas culpas,
pagou a pena devida por elas e fez-nos livres. Quando, arrependidos, nos
aproximamos do trono da graça (cf. Hb 4, 16) e jogamos os nossos pecados no
fogaréu do amor de Deus, tudo se consome.
Para que isso aconteça, porém, é preciso que entremos na
quantia dos "muitos" (πολλῶν) de que fala o evangelista. Se é verdade
que Nosso Senhor oferece o Seu sacrifício por toda a humanidade, nem todos
aproveitam dos efeitos da Sua Paixão. Isso se dá não por um defeito da redenção
operada por Ele, mas pela má disposição das almas; em outras palavras, pela
recusa do ser humano a associar-se à Paixão de Cristo.
Para estar consigo na glória, de fato, Jesus não indica
outro caminho a percorrer senão o da Cruz: "Por acaso podeis beber o
cálice que eu vou beber? Podeis ser batizados com o batismo com que vou ser
batizado?" (v. 38), Ele pergunta aos filhos de Zebedeu. Os dois respondem
que sim, mas, como se sabe, só João permanecerá fiel e de pé diante da Cruz de
Nosso Senhor. Tiago levará mais tempo para entender essa lógica – morrendo como
mártir, alguns anos depois.
Um casal que compreendeu com perfeição o evangelho do
sofrimento foi o dos bem-aventurados Zélia Guérin e Luís Martin, canonizados
neste domingo pelo Papa Francisco. Os pais de Santa Teresinha do Menino Jesus
foram verdadeiramente santos, porque se recusaram a viver para si mesmos. Santa
Zélia, por exemplo, mesmo com oito filhas (quatro das quais morreram
prematuramente) e um câncer de mama, sequer concebeu a ideia de fechar seu
casamento à vida e "parar de sofrer": teve ainda o seu último
"lírio", que foi justamente Santa Teresa. São Luís, ao ver que todas
as suas filhas entregavam a vida a Deus entrando no Carmelo, era capaz de,
mesmo sofrendo com a separação, estender os braços ao Céu em ação de graças.
A história desse casal exemplar, bem como a de todos os
santos da Igreja, mostra o que distingue os cristãos e os seus sadios
relacionamentos, dos pagãos e de seus relacionamentos destrutivos. Seguir a
Jesus não torna ninguém imune ao sofrimento. Quem tem a Sua Cruz diante dos
olhos, todavia, é capaz de transformar a própria dor em amor, como Ele mesmo fez,
ao passo que o sofrimento de quem não crê permanece sempre estéril e sem
sentido.
Homília por: Padre Paulo Ricardo
Fonte: https://padrepauloricardo.org/episodios/29-domingo-do-tempo-comum-transformar-a-dor-em-amor
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