28 de fev. de 2015

São Francisco e a Penitência

francisco-sao-assisA palavra latina poenitentia, usada por São Jerônimo para traduzir os termos gregos metavóia e epistrophé, para além do usual significado de mortificação, nos sugere muito mais a amplitude de sentido que tem para nós a palavra conversão. De fato, a Vulgata traduz os termos gregos indistintamente seja por poenitentia, seja por convertio. Ambas nos remetem à aceitação do Reino de Deus, para o qual tanto a pregação de São João Batista quanto a do próprio Cristo nos exortam (Mt 3,2: “Convertei-vos, porque o Reino de Deus está próximo.” ; Mc 1,15b: “Convertei-vos e crede no Evangelho.”) Com efeito, a adesão ao Reino exige de nós uma mudança de mentalidade e atitude (metanóia), segundo a qual arrependemo-nos de nossas atitudes anteriores para nos voltarmos inteiramente para Deus (epistrophé). Conversão e penitência, pois, assumem primariamente este sentido – a palavra penitência, portanto, só posteriormente e secundariamente assumirá, mesmo no contexto medieval, a acepção de mortificação.
Para São Francisco, o essencial da vida de penitência é: amar a Deus com todas as suas forças, com toda a alma e de coração; amar ao próximo como a si mesmo; “odiar-desprezar” o corpo com seus vícios e pecados; receber o Corpo e o Sangue do Senhor; e produzir dignos frutos de penitência.
Disto resulta que a penitência, longe de ser apenas um estado de vida presente, é um itinerário de toda uma vida dedicada a permanecer na comunhão com Cristo (participação nos sacramentos, em especial a Eucaristia) e na conformação de si à Sua vontade (amor a Deus e ao próximo). Não se trata de males ou fardos a serem carregados por toda esta vida, mas de um grande bem dado por Deus àqueles que Ele mesmo chamou a viverem junto de Si através da resposta penitencial.
O ódio (ou desprezo) ao corpo, porém deve ser bem entendido, pois em seus escritos Francisco refere-se ao corpo para expressar dimensões distintas da vida humana: a) o corpo enquanto organismo físico, antítese da alma, criação de Deus, e, portanto, um inestimável bem para o próprio homem; b) o corpo como tudo o que se refere a ele (todas as coisas terrenas) e tudo o que é feito em seu interesse, o que pode ser tanto o seu bem quanto para o seu mal; c) o corpo como a vontade obstinada que se opõe ao bem, contrariando ao Sumo Bem (princípio anti-divino, a própria concupiscência, que nos inclina para o mal. O ódio ao corpo, desta forma, significa o desprezo a tudo quanto há em nós que nos afasta de Deus, exigindo de nossa parte um acirrado combate contra tais tendências através dos exercícios espirituais, em vista de alcançarmos o domínio de nossos desejos e nossa verdadeira libertação.
É aqui, portanto, que aparece o sentido de penitência enquanto mortificação, isto é, como os exercícios exteriores que o converso deve assumir caso queira realmente chegar e aderir ao Reino que tanto deseja. E mais, o próprio Reino parece já ter chegado àquele que se encontra na via de penitência, uma vez que dele participa pelas virtudes que lhe são imprimidas na alma, pela conciliação com os homens e com todas as demais criaturas e pela comunhão com a vida de Deus. Dentre as virtudes, poderemos enumerar: misericórdia e perdão no exercício do poder; caridade e humildade; simplicidade e pureza; ser servo e submisso a todos…
Teologicamente, a vida de penitência consiste, para o Poverelo, num radical despojamento da decadência da natureza humana, causada pelo pecado original, a fim de que torne a resplandecer no homem a sua nobreza, como ser dotado de imagem e semelhança de Deus, a maior de todas as criaturas, cuja grandeza mais excelsa é ser prelúdio de Cristo, de Quem traz impressa no semblante a imagem, sendo sombra de Seu Corpo e cópia do Original.

Fonte: http://www.comshalom.org/

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