4 de dez. de 2014

Conhece-te a ti mesmo

Você já viveu a experiência de pensar sua vida a partir de algo que alguém expos sobre você? Já refletiu durante horas, dias, quem sabe meses a partir de uma visão sobre você que alguém manifestou e que você, apesar de (quem sabe) saber-se daquela maneira, não tirava tempo para refletir acerca daquilo e, de repente, é impelido a fazê-lo pela manifestação de um terceiro? Por que isso acontece e mexe dessa forma conosco?

Penso ser importante partir na presente reflexão do que compreendo constituir o eu de cada um. Tentarei fazer a partir do viés da relação, sem pretensões de descrever o ser de cada indivíduo, ou o que a filosofia chama de ontologia, somente refletir sobre as relações e as visões que ela produz. Parto da pergunta: quem sou eu? E, de pronto, respondo: eu sou o que penso de mim, eu sou o que mostro de mim e aquilo que os outros percebem de mim. Serei eu então três pessoas em uma só? Vivo desse modo um complexo de tripla personalidade? Calma, explicarei minha compreensão do modo mais claro possível.

Eu sou o que penso de mim: minha visão sobre mim mesmo é fundamental para minha constituição
Inscrição em grego que significa: "Conhece-te a ti mesmo"
como sujeito, gera em mim a segurança nas ações, me conduz à escolhas fundamentais como profissão, vocação, gostos e demais opções de vida. Desde a antiga Grécia, como nos mostra a inscrição no pórtico do templo de Delfos “conhece-te a ti mesmo”, inscrição esta que motiva boa parte da filosofia do velho Sócrates, o homem é impelido a conhecer a si mesmo e isso implica diretamente pensar sobre si, refletir sobre sua existência (e refletir aqui entendido no sentido profundo do termo “ação de dobrar-se sobre si mesmo”). Porém saber quem se é, pensar sobre quem se é, me parece não ser suficiente para minha constituição como sujeito. Somos constantemente enganados, ludibriados, pela nossa visão de nós mesmos. Se faz muito difícil termos uma visão equilibrada sobre nós mesmos, com muita frequência caímos em exageros em nossas considerações sobre nós mesmos, ou nos achamos melhores do que somos, ou piores, dificilmente temos plena e equilibrada visão sobre quem somos quando olhamos somente com nosso olhar. Aqui entra um segundo aspecto:

Eu sou o que mostro de mim
Eu sou o que mostro de mim: a partir de minha visão sobre mim mesmo irei agir, com base naquilo que julgo ser o melhor irei trilhar meu caminho e tomar minhas decisões. Quando me acho apto para algo, ou ao menos capaz de, decido por fazer. Um exemplo disso é a profissão, aquele que não tem habilidades lógico-matemáticas não escolherá, ao menos não deveria, ser programador de computadores ou engenheiro mecânico, como aquele que não tem suporte para lidar com problemas humanos e dilemas existenciais não escolherá ser psicólogo. Isso tudo é revelado por nós, nos mostramos e permitimos que as pessoas nos vejam. Aos poucos vamos criando nossa marca, nossa pegada, e somos identificados pela nossa personalidade, modo de ser e ver o mundo. Nossos posicionamentos ou omissões (que já é um posicionamento) revelam as opções que vamos fazendo e aquilo que decidimos mostrar sobre nós. Mas isso não basta, pois já dizia Paulo apóstolo, “não faço o bem que quero e faço o mal que não quero”, revelando dessa forma que nem sempre conseguimos mostrar aquilo que realmente somos e pensamos, as contingencias da vida muitas vezes nos impelem a agir de modo a trair nossa própria compreensão. Como identificar se minha ação corresponde ao que penso sobre mim? Aqui penso entrar o terceiro aspecto:

Eu sou aquilo que os outros percebem de mim: permitir que outros digam a nós aquilo que percebem de nós me parece ser uma atitude com vistas à maturidade. Aquele que não se dispõe a ouvir uma crítica, uma sugestão ou uma simples observação sobre si mesmo me parece não querer ver-se plenamente como é. Ou melhor, sabe que tem limites mas não quer vê-los, ou, ainda, vive a falsa modéstia de não querer ser elogiado por aquilo de bom que realiza. Quem sabe você já tenha conhecido alguém que recebeu muitos elogios a respeito de um trabalho desenvolvido, mas quando ouviu uma crítica pequena tudo o que realizara de bom caiu por terra e essa pessoa revoltou-se ou deprimiu-se diante da crítica. Porém, me parece, sou também aquilo que os outros veem de mim e essa dimensão é fundamental para equilibrar as outras duas. A relação limita meu agir e me leva a melhorar aquilo que sou, mas isso só é possível para aqueles que se dispõe a buscar ser melhores.

Por fim, creio que minha visão de mim e do mundo vão determinando as decisões que vou tomando em minha vida. Vou me constituindo enquanto pessoa na relação com os demais e sou responsável pelas decisões que tomo. Nada adianta culpar o mundo pelos resultados que obtenho em minha vida uma vez que posso decidir sempre diante de meu agir e as decisões são motivadas por aquilo que compreendo de mim e do mundo. Eu sou autor e construtor de minha existência e não há maior responsável por quem sou do que eu mesmo. Pensemos nisso.

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