"Vês aqui, hoje te tenho proposto a vida e o bem, e a morte e o mal; Porquanto te ordeno hoje que ames ao SENHOR teu Deus, que andes nos seus caminhos, e que guardes os seus mandamentos, e os seus estatutos, e os seus juízos, para que vivas, e te multipliques, e o SENHOR teu Deus te abençoe na terra a qual entras a possuir. Porém se o teu coração se desviar, e não quiseres dar ouvidos, e fores seduzido para te inclinares a outros deuses, e os servires, então eu vos declaro hoje que, certamente, perecereis; não prolongareis os dias na terra a que vais, passando o Jordão, para que, entrando nela, a possuas; Os céus e a terra tomo hoje por testemunhas contra vós, de que te tenho proposto a vida e a morte, a bênção e a maldição; escolhe pois a vida, para que vivas, tu e a tua descendência, amando ao SENHOR teu Deus, dando ouvidos à sua voz, e achegando-te a ele; pois ele é a tua vida, e o prolongamento dos teus dias; para que fiques na terra que o SENHOR jurou a teus pais, a Abraão, a Isaque, e a Jacó, que lhes havia de dar".
Esta passagem pode ser usada para ilustrar o cenário no qual se desenvolve o drama da vida humana. O Jordão pode ser usado em nossa ilustração como a fronteira entre a vida e a morte. Ao passar o Jordão do Batismo, passamos da morte segura para a vida em Deus. No entanto, essa preciosa dádiva divina pode ser perdida pela desobediência.
Todo pacto forma um só corpo consistente: devemos passar o Jordão (o Batismo), habitar a terra prometida (figura da Igreja), [viver] as bênçãos e ser fiéis a Deus por inteiro, verdadeiros com Ele. Destas condições, algumas provêm de Deus e outras do homem. Deus dá ao homem a terra que lhe prometeu, os mandamentos para conservá-la e se beneficiar; porém, o homem deve escolher "passar o Jordão" e permanecer na bênção de Deus. Implícito nisto está a dignidade que se concede ao homem, ao estabelecer um pacto com o próprio Deus, que o trata como um indivíduo livre.
A liberdade e a dignidade são bens que nos tornam semelhantes a Deus. Se não fôssemos livres para escolher não teríamos dignidade alguma, pois seríamos virtualmente escravos submetidos totalmente à vontade de um senhor. O Catecismo propõe a pergunta: Por que Deus não nos criou de outra maneira, para que não pudéssemos pecar? Isto pode ser respondido de diversas maneiras. Vou responder através de algumas meditações que fiz hoje.
No início da história que levará o Povo de Deus a este momento de eleição - quando Deus encontra Moisés na sarça ardente - Ele se dá a conhecer como Yahweh, "Aquele que É", ou, segundo outros, "Aquele que Causa o que Seja". Este Nome revela que Deus existe de uma maneira essencial e total, como a primeira causa de todas as coisas. Todas as coisas que "são" remontam sua existência a Ele, porque Ele não é "algo" mas a própria essência do ser e, por definição, a potência que causa todas as coisas. Potência e essência são absolutas em Deus: todo o poder está Nele e também o ideal de todas as coisas criadas.
A sarça ardente que não se consome é uma figura que nos ajuda a entender a Deus, a causa de todas as coisas.
Quando Deus cria a ordem universal em que vivemos, Ele o faz a partir do amor. Ele "é" amor, novamente: a essência e a potência do amor. E assim nos cria e começa a nos preparar para que herdemos a mesma classe de vida que Ele tem, algo que entendo tão incrível e formoso que a eternindade não nos vai alcançar para agradecê-lo.
Essa classe de vida transcendente é a que escolhemos quando nos colocamos "do lado de Deus" e coincidimos com Ele na prática da virtude. A virtude é, basicamente, fazer o que mais nos convém a longo prazo; obedecer a Deus não é apenas uma forma de amá-Lo e estar-lhe agradecido; é também uma forma de amarmos a nós mesmos.
Na prática da virtude contemplamos o paradoxo do homem servindo a si mesmo uma porção - por assim dizê-lo - da vida de Deus. Isto, dito de passagem, é o que a Eucaristia É e REPRESENTA ao mesmo tempo: uma ascensão gradual e infinita à semelhança da perfeição divina. Para que essa ascensão seja possível, é necessário SER LIVRE... de outra maneira, a semelhança com Deus se acabaria aí mesmo, porque Deus não está sujeito a nada. Um Grande Rei não pode gerar escravos.
Pois bem: o que ocorre quando escolhemos nos sujeitar à nossa própria conveniência e escolhemos nos afastar de Deus? Isso é um forma de loucura, porque a obediência a Deus é o que dispõe todo universo em sua justa ordem; ousaríamos então desobecer Àquele que até as feras e a matéria inanimada obedecem? Se fizermos isto, estaremos reduzindo o exercício da nossa liberdade à simples desobediência. É aqui onde entra o caráter absoluto das qualidades divinas: Deus como essência do ser não pode "não ser" Deus, não pode nos justificar se nós não nos amamos a nós mesmos e não fazemos o que mais nos convém. Deus não pode participar da loucura.
No princípio, nos deu a liberdade para tornar-nos dignos Dele, para que fôssemos semelhantes a Ele. No entanto, a liberdade é paradoxalmente uma espada de dois fios. Para ser realmente livre, alguém deve estar vivo; porém, se alguém usa a liberdade para suicidar-se, esta liberdade é usada nesciamente e dura pouco. E o abandono da virtude é um suicídio, pois nos afasta da Essência do Ser que é Deus e da oferta de Deus, de viver a vida que Ele vive e de aprender e descobrir sua Pessoa infinita pela eternidade. A isto os místicos chamam "contemplar o rosto de Deus", a Visão Beatífica, a vida para a qual fomos realmente projetados. Não há nada "menor" que possamos escolher porque esse feliz destino é absoluto por definição. Não existe "um pedacinho menor de eternidade" que outro; não há "mais" ou "menos" vida eterna. É tudo ou nada. Vida Nele ou morte fora Dele.
Até a Encarnação e a Cruz alguém poderia dizer - bem equivocadamente - que a oferta foi obrigatória, que Deus não nos deixou mais do que uma única opção. Quando Ele próprio veio, submeteu-se às nossas mesmas dores e penas, e permitiu que fosse crucificado para nos redimir... Assim, vemos que essa queixa não tem nenhuma base para se apoiar. Deus mesmo deu o exemplo e escolheu a vida, abrindo o caminho para que o sigamos à alegria eterna da Ressurreição. O livre arbítrio é a melhor prova do amor de Deus e um convite à vida eterna.
"Também gostaria de saber o que diz a Igreja acerca da 'justificação', isto é, como o homem se salva? Esta última pergunta é muito ampla, eu sei. Porém, talvez você pudesse me recomendar algum material para que eu pudesse estudar. Porque fiquei confuso quando ouvi alguém dizer que um dos pontos diferenciadores da Reforma de Lutero é que este dizia que o homem se salva pela fé e não pelas obras, porque a justificação mediante o cumprimento da Lei é impossível. Isso me abriu uma interrogação, porque eu pensava que a Igreja Católica também dizia isso".
Em poucas palavras, a "salvação pelas obras" (Pelagianismo) é uma heresia condenada pela Igreja já há muitos séculos. Porém, a "salvação unicamente pela fé" é um reducionismo igualmente errado. Nos salvamos pela fé, porém "não apenas pela fé". A aliança com Deus é um contrato. Alguém que assina um contrato não pode eximir-se do seu dever de cumprí-lo com a base de que tem fé na boa vontade da outra parte. O contrato deve ser cumprido. Deus nos dá um "contrato" muito misericordioso, porém, igualmente estrito. Devo amar o meu próximo, devo prestar conta das minhas ações, devo crescer espiritualmente, devo me aproximar de Deus e a sua perfeição nos Sacramentos fazem parte dessa aliança.
Recomendo a leitura do artigo de Greg Oatis intitulado "Livre Arbítrio", que também publicamos (http://www.veritatis.com.br/article/5245 ).
Fonte: http://www.prodigos.org. Tradução de Carlos Martins Nabeto.
Fonte: http://www.prodigos.org. Tradução de Carlos Martins Nabeto.
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