Pergunta-se
se Deus escuta as orações dos pecadores. Trata-se de uma questão pertinente, já
que alguns trechos das Escrituras podem deixar meio obscura esta realidade
aparentemente tão óbvia. São João, por exemplo, escreve: “Qualquer coisa que
pedimos recebemos dele, porque guardamos os seus mandamentos e fazemos o que é
do seu agrado” [1]. Algumas passagens do Evangelho, no entanto, como a parábola
do fariseu e do publicano [2] e o episódio do bom ladrão [3], indicam que Deus
ouve as súplicas dos pecadores. O que dizer diante desse conflito?
Santo
Tomás de Aquino, com seu gênio teológico, ilumina essa questão, lembrando que
“a oração, afora o efeito do consolo espiritual que traz no momento em que é
feita, possui dupla virtualidade quanto ao efeito futuro: a de merecer e a de
impetrar” [4].
O valor impetratório é a
eficácia da oração com relação à fé. O orante pede porque crê que Deus é
onipotente e pode realizar aquilo que é o objeto de sua súplica: “A fé é
necessária da parte de Deus, a quem oramos, isto é, que creiamos poder
conseguir d’Ele o que pedimos” [5]. É claro que, no caso do pecador – de quem
não está em estado de graça –, esta fé é uma fé morta, porque não é informada
pela caridade. Então, Deus ouve aquela oração por pura misericórdia.
O valor meritório na
oração só existe “enquanto [esta] procede da raiz da caridade, cujo objeto
próprio é o bem eterno que merecemos gozar” [6]. “A oração sem a graça
santificante não é meritória, como nenhum outro ato virtuoso” [7]. Não se
confunda, aqui, a palavra “meritória” com a opinião de que a pessoa “merece” a
graça que Deus lhe concede. Como diz o Concílio de Trento, “ninguém pode ser
justo, senão aquele a quem se comunicam os merecimentos da Paixão de nosso
Senhor Jesus Cristo” [8]. Ou seja, a própria capacidade meritória é um dom de
Deus: o único homem que realmente teve mérito diante de Deus foi Jesus Cristo;
os demais são justificados na medida em que estão ou não unidos a Ele.
Então,
a oração do amigo de Deus tem valor muito maior que a oração do pecador. Isso
se dá, primeiramente, porque, se a pessoa ama a Deus, está em sintonia com o
Seu coração, pedindo o que ela sabe que Ele lhe vai conceder. O pecador, ao
contrário, pode pedir coisas fúteis ou até contrárias à vontade divina e isso,
obviamente, tirará a eficácia de sua oração. Além disso, o pedido do justo é
informado pela caridade: ele suplica as coisas a Deus desejando agradar o Seu
coração.
Deus se agrada de nós, gosta de receber o nosso amor e de ver a
nossa caridade. E é fonte de grande alegria para Ele atender os pedidos daqueles que
O amam. Isso
é visível na intercessão dos santos. Por que existem santos que têm um maior
poder de intercessão? Por que se diz que a Virgem Santíssima é a “onipotência
suplicante”, enquanto outros santos não têm a mesma eficácia de intercessão?
Por causa do valor meritório. O amor da Virgem Santíssima, o fato de ela estar
configurada ao coração de Cristo de forma perfeita, faz que a sua oração tenha
grande poder diante de Deus, enquanto a oração de uma pessoa que passou pelo
purgatório e tem menor glória no Céu tem menor eficácia. Tanto
maior o amor dado a Deus, tanto mais generosa é a resposta d’Ele à sua súplica.
Então,
a oração dos pecadores tem o seu valor: trata-se do valor impetratório. Já a
oração do justo, da pessoa que está no caminho da santidade, tem um valor maior
– o valor meritório –, porque, além da fé, contém a caridade ardente de quem é
amigo de Deus.
Fonte: https://padrepauloricardo.org
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