Somente na fé católica a
crucificação de Cristo tem sentido, pois nela é que se encontra o verdadeiro
"Jesus histórico"
Desde que Rudolf Bultmann decretou
que não se pode crer na ressurreição depois da lâmpada elétrica, o número de
interpretações malucas que surgiram sobre a Pessoa de Cristo é algo que não
está no gibi[1]. Imagina-se de tudo: Jesus marxista, Jesus operário, hippie,
camarada e tutti quanti. Nessa
brincadeira, só não há espaço para uma única interpretação: a que está no
Magistério da Igreja.
Essa tendência mais ou menos crítica de se desconfigurar
o rosto tradicional de Jesus acentuou-se, segundo o Papa Bento XVI, a partir
dos anos 50. Trata-se de uma cisão entre o "Jesus histórico" e o
"Cristo da fé". Haveria um abismo enorme entre um personagem e outro.
Cristo seria apenas uma invenção da comunidade primitiva, não tendo nada que
ver com a salvação e a remissão dos pecados. Jesus, em tese, seria apenas um
revolucionário à sua maneira, um reformador social. Alguém que viera contestar
o status que, abrindo caminho para as futuras revoluções do povo judeu e, por
conseguinte, do "Povo de Deus". Todavia, bem observa o Papa Emérito,
"quem lê várias destas reconstruções, umas ao lado das outras, pode
rapidamente verificar que elas são muito mais fotografias dos autores e dos
seus ideais do que reposição de um ícone, entretanto tornado confuso"[2].
Não é de se admirar que vários
desses teólogos que propõem uma tal interpretação cristológica padeçam do mesmo
complexo antirromano de Lutero. Por fim, quem começa negando a Igreja termina negando
Deus. A bem da verdade, são homens que perderam a fé e que, cada vez mais, se
submetem ao dogma do mundo moderno, no qual Deus não tem importância nem
espaço. Eles se renderam à proposta racionalista, à pompa do criticismo e, em
última análise, à sedução do Anticristo que, na expressão de Soloviev, é doutor
honoris causa em teologia[3]. Satanás, mais do que ninguém, é o primeiro a usar a bíblia para
tentar o Senhor: "Se és o Filho de Deus, ordena que estas pedras se
transformem em pão" (Mt
4, 3). Nesse desafio, esconde-se a hipocrisia de quem, querendo assumir o lugar
de Deus, põe-se a derrubá-Lo de Seu trono, como uma pedra de tropeço, "um
estorvo", "porque os teus pensamentos não são de Deus, mas dos
homens" (Cf. Mt 16, 22). Assim, Jesus torna-se uma figura "pouco
plausível, remota, obscura e esquisita, alguém que falava numa língua estranha
e que morreu há muito tempo"[4], não tendo mais nada a nos dizer ou
ensinar.
E é óbvio que uma figura dessa estirpe não merece o
nosso culto. O Cristo desenhado por esses teólogos inspira pouquíssima devoção.
n’Ele não se encontra a beleza do transcende, mas a máscara das ideologias,
que, em última análise, não passam de sistemas derivados de programas
destrutivos. Quem olha para este Jesus não olha para o Pai, como atestam as
Escrituras. Pelo contrário, é o rosto sombrio da mentira o que se enxerga. E se
Cristo deixa de ser divino para ser tão somente político, também o seu culto
deixa de ser a participação no seu Sacríficio da Cruz - em que o fiel presta
sua adoração, contrição e ação de graças - para se converter num passatempo ou,
pior ainda, numa convenção de facções ideológicas.
Com efeito, a crítica que muito se faz à liturgia da
Igreja é, na verdade, um ataque ao coração de Deus. Na base de tudo encontra-se
um ateísmo politizado que transforma a teologia em um campo de ação: não há
motivo para se cultuar Deus, para prestar-lhe nossa devoção; o homem deve ser o
seu princípio, meio e fim, o homem deve se autocultuar. Trata-se, então, da
mesma repulsa de Pedro diante do mistério da cruz. Não se quer a dor, não se
quer o sacrifício, somente o bem-estar, o conforto material. "Se és o
Filho de Deus…", repete-se o desafio. Por outro lado, quando lançamos um
olhar sincero sobre essa mentalidade, percebemos que tudo se encaminha para
muito longe do paraíso: "Ela julgava poder transformar pedras em pão, mas
gerou pedras em vez de pão".[5]
Esse progressismo adolescente, ao
qual o Papa Francisco já lançou duras condenações, transgride a fidelidade;
"essa gente, movida pelo espírito do mundo, negociou a própria identidade,
negociou a pertença a um povo, um povo que Deus ama tanto, que Deus quer como
seu povo"[6]. Ser fiel ao ministério de Jesus tal como está descrito no
Evangelho e, obviamente, no Magistério da Igreja não significa acreditar em
"algo mítico, que pode ao mesmo tempo significar tudo e nada"[7]; é
precisamente o contrário, é lançar-se com firmeza à única certeza que dá
sentido à nossa existência, significa olhar para o crucificado, no qual
encontramos "a própria bondade de Deus, que se dá nas nossas mãos, que se
entrega a nós e que, por assim dizer, suporta conosco todo o horror da
história."[8] Cristo, portanto, mais do que nos dar bem-estar, conforto e
paz, veio fazer algo muito maior: Ele veio nos trazer Deus!
"Somente por causa da
dureza de nosso coração é que pensamos que isso seja pouco"[9]
https://padrepauloricardo.org/
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