As virtudes cardeais fazem parte da nossa vida humana, mas nem sempre as conhecemos ou detetamos. Ao analisarmos as suas características, ficamos mais atentos às ações de Deus em nós, porque virtudes, todo o ser humano tem. Mas o auxílio divino chega apenas àquele que se abre para acolher o mistério de Deus.
O grande filósofo da antiguidade, Sócrates, mais do que a procura da Verdade, procurava saber qual o modo de viver virtuoso, ou seja, intentava responder à pergunta: Como pode o homem viver no bem? Pode o homem ser bom? Esta definição de filosofia em muito se assemelha à noção de prudência. Rémi Brague, filósofo parisiense deste nosso tempo, escreveu assim sobre a prudência: «A prudência é a virtude que articula entre si o domínio do intelecto e o da prática. É a virtude pela qual a inteligência se ocupa, não dos seus objetos próprios, eternos (como as realidades matemáticas) na contemplação das quais ela se abisma, mas em fornecer a regra de ação, que se situa no tempo. Deste modo, é a virtude que fornece às outras [virtudes] a justa medida da ação, é a virtude das virtudes – razão pela qual deve surgir em primeiro lugar.»
Assim, a prudência é a capacidade de estabelecermos a regra de ação na nossa vida e acontece na medida em que a ação humana é deliberada. Então, esta não é uma característica especial do cristão, mas algo que se encontra já estruturalmente presente na condição humana. Como Aristóteles verificara, esta virtude pertence à natureza do homem, sendo a orientação da vida feita através do ponderado exercício da razão.
No seu sentido mais comum, a prudência é entendida hoje como a ação calculada e cautelosa. Um exemplo muito apropriado é a condução rodoviária. «Evite as manobras perigosas. Seja prudente e conduza com segurança», refere amiúde a Polícia de Segurança Pública.
Mas, para o cristão, a virtude da prudência é mais do que uma previdência ou tentativa de antecipação de acontecimentos; é mais do que uma ação cuidada ou cautelosa; e é, também, mais do que uma ação pensada ou refletida. São Paulo, como São Tomás de Aquino, compreenderam que o cristão está revestido de Cristo e viu, o santo doutor, que as virtudes humanas são por essa mesma razão, iluminadas pela Luz de Cristo. A vivência cristã é então despoletada por uma luz que tem a possibilidade de influenciar a vida do homem, e sobretudo, as relações que ele vive. Relações entre o homem e Deus, entre o homem e o mundo e seus semelhantes, e entre o homem e a sua própria consciência. Nestes âmbitos relacionais, todas as virtudes cardeais – prudência, justiça, fortaleza e temperança – têm o papel importante de promoverem e conduzirem ao bem e à felicidade.
Pedir auxílio a Deus
Para o cristão, a virtude da prudência é então, num primeiro plano, a perceção de modo íntimo, da vontade de Deus. E, num segundo plano, é a vivência concreta desta vontade. Ou seja, a virtude da prudência é a compreensão da vontade de Deus e a sua vivência na nossa existência. «As virtudes humanas» – diz-nos o Catecismo da Igreja –, «adquiridas pela educação, por atos deliberados e por uma sempre renovada perseverança no esforço, são purificadas e elevadas pela graça divina. Com a ajuda de Deus, moldam o carácter e facilitam a prática do bem.» E dada a dificuldade de praticar o bem, como sabemos, o Catecismo da Igreja reafirma também a necessidade que cada um de nós tem de pedir auxílio a Deus: «Cada qual deve pedir constantemente esta graça de luz e força, recorrer aos sacramentos, cooperar com o Espírito Santo e seguir os seus apelos a amar o bem e acautelar-se do mal.»
Assim, vemos que a purificação e a elevação pela graça acontecem de modo especial em três ocasiões: nos sacramentos, na escuta da Palavra e na oração – momentos-chave de encontro com Deus. Na verdade, enquanto aponta a correta ordem do agir, a iluminação de Deus pode proporcionar para a vida de cada cristão uma força e inspiração sobrenatural. Aquilo que faz parte da criação de Deus, o ser humano, é movido pela mão de Deus para o amor, para a felicidade. «O homem virtuoso sente-se feliz ao praticar as virtudes», confirma o Catecismo da Igreja.

Para Santo Inácio de Loiola, fundador dos Jesuítas, o discernimento da vontade de Deus, primeiro plano da prudência como se referiu, acontece na perceção das sensações e intuições profundas, inconscientes, por vezes, que nos habitam e que nos movem no quotidiano. Sendo a prudência a perceção no íntimo da vontade de Deus, como se pode discernir essa vontade de Deus para mim?
A sua vivência espiritual baseia-se na perceção das moções de Deus no interior do homem. E é na perceção desta ação de Deus no interior do homem, que se conduz a ação humana no discernimento, para a ordenar à vontade de Deus. Monique Lorrain, autora do livro Discernir, o que se passa em nós?, escreve a dado momento sobre a vida do santo de Loiola quando este se feriu em combate e permaneceu em convalescença durante alguns meses. Nessa recuperação, que marcou a sua conversão à vida religiosa, Inácio começou por ler alguns livros, um pouco distintos entre si: uns contavam grandes feitos de cavalaria, e outros que contavam as grandes vidas dos santos.
Escutar a vontade de Deus
À medida que lia aquelas histórias, Inácio sentia dentro de si impulsos diversos, percebendo, finalmente que cada impulso correspondia a uma disposição interior para um fim ligado à vontade de Deus. Monique Lorrain cita sobre este aspeto a autobiografia de Santo Inácio, o momento em que Inácio descobre este movimento das suas moções interiores: «[Inácio] não reparava nisso nem se detinha a ponderar esta diferença, até que uma vez se lhe abriram os olhos e começou a maravilhar-se desta diferença e a fazer reflexão sobre ela. Compreendeu então por experiência que de uns pensamentos ficava triste e de outros muito alegre, e pouco a pouco veio a conhecer a diversidade dos espíritos que se agitavam: um do demónio e o outro de Deus.» (Autobiografia, 8) E comenta Monique: «Inácio apercebe-se da existência de pensamentos que lhe provocam tristeza e de outros pensamentos que lhe trazem alegria. É o início de uma experiência espiritual que transformará completamente a sua vida: o discernimento dos espíritos que o agitam.»
Para o santo, a oração é o momento privilegiado para o crente atender e escutar a vontade de Deus, e assim conduzir a sua vida. No seu livrinho de exercícios espirituais, um manual de oração, Santo Inácio escreve o intuito da obra: «Assim como passear, caminhar e correr são exercícios corporais, também se chamam exercícios espirituais os diferentes modos de a pessoa se preparar e dispor para tirar de si todas as afeições desordenadas e, tendo-as afastado, procurar e encontrar a vontade de Deus, na disposição de sua vida para o bem da mesma pessoa.»
O discernimento é um momento da prudência. O momento de pausa, de ponderação interior que intenta percecionar o espírito bom das opções de vida, das decisões vitais e diárias, o modo de vislumbrar o correto caminho a seguir de uma situação de vida, e iluminar, assim, a decisão, à luz de Deus.
Escrito por José Luís.
Fonte:http://www.abcdacatequese.com/
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