3 de jan. de 2014

"Noite Escura"

Em uma noite escura
De amor em vivas ânsias inflamada
Oh! Ditosa aventura!
Saí sem ser notada,
Estando já minha casa sossegada.
Na escuridão, segura,
Pela secreta escada, disfarçada,
Oh! Ditosa aventura!
Na escuridão, velada,
Estando já minha casa sossegada.
Em noite tão ditosa,
E num segredo em que ninguém me via,
Nem eu olhava coisa alguma,
Sem outra luz nem guia
Além da que no coração me ardia.
Essa luz me guiava,
Com mais clareza que a do meio-dia
Aonde me esperava
Quem eu bem conhecia,
Em lugar onde ninguém aparecia.
Oh! noite, que me guiaste,
Oh! noite, amável mais do que a alvorada
Oh! noite, que juntaste
Amado com amada,
Amada, já no amado transformada!
Em meu peito florido
Que, inteiro, para ele só guardava,
Quedou-se adormecido,
E eu, terna o regalava,
E dos cedros o leque o refrescava.
Da ameia a brisa amena,
Quando eu os seus cabelos afagava,
Com sua mão serena
Em meu colo soprava,
E meus sentidos todos transportava.
Esquecida, quedei-me,
O rosto reclinado sobre o Amado;
Tudo cessou. Deixei-me,
Largando meu cuidado,
Por entre as açucenas olvidado.
Poema de São João da Cruz

Fonte: cancaonova.com

Noite Escura: questões tão inerentes ao ser humano que ninguém consegue fugir

Doutor místico e carmelita, São João da Cruz escreveu o poema Noite Escura em 1577 quando estava preso no cárcere de Toledo, onde, nas trevas da prisão surgiu sua inspiração e poesia. Com grande beleza literária e poética, São João atrai através de seus escritos, cientistas, poetas e até mesmo não crentes.
O livro é divido em duas partes. A primeira fala da noite escura dos sentidos, aqui, a alma tem seus sentidos purificados. Ela sofre de um grande vazio, não sente gostos nem tem apetites pelas coisas que antes lhe agradavam tanto, também lhe é retirado os confortos espirituais, é um momento de grande aflição e pesar, sente que Deus a abandonou. Nesse estado, o que lhe resta é a fé simples e pura. O autor explica que as paixões e os apetites dos sentidos, mesmo sendo em coisas espirituais, embaraçam o espírito e que eles devem ser amortecidos para que o entendimento fique livre para enxergar a verdade. O autor ainda apresenta 3 meios para identificar se alma está nessa noite escura ou se ela não sofre apenas de melancolia.
A segunda parte fala da noite escura do espírito, é um momento de contemplação e purificação espiritual, essa sendo mais incomum. A alma sente grande secura, e fica sem receber qualquer auxílio, nem dos céus e nem da terra. Deus coloca a alma em uma profunda purificação para elevá-la a um alto grau de amor, o quanto Deus em sua misericórdia desejar, a alma fica fina e simples fazendo um com o espírito de Deus.
O autor também escreve sobre os dez degraus da escada mística do amor, segundo São Bernardo de Claraval e São Tomás de Aquino e ainda cita várias passagens bíblicas como as de Jeremias, Jó e Davi, com suas experiências de grande aflição.
Com uma belíssima poesia e grande habilidade para tocar em questões tão profundas do ser, questões essas tão inerentes ao ser humano que ninguém consegue fugir, o livro é um excelente guia espiritual para quem experimenta ou já passou pela noite escura. São muito bem esclarecidos os vários motivos das angustias sofridas por esse tempo e os grandes bens que a alma recebe por passar por essa noite de purificação.

Anderson Fernandes Pessoa
Fonte: http://www.comshalom.org

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