Uma das ideias
recorrentes sobre a presença de Deus em nossas vidas é que ele nos castiga em
razão de nossas faltas e nos prova para ver o tamanho de nossa fé.
Não é incomum
encontrar pessoas que afirmam serem castigos de Deus doenças, fenômenos da
natureza, a própria morte. Também é corriqueiro encontrar afirmações que
sofrimentos vividos são “provações”.
Para mim, ver
castigos e provações por parte de Deus em nossos comportamentos, são convicções
que corrompem a verdadeira fé. Se Deus é nosso Pai, como ensinou Jesus Cristo
((Mateus 6,9), se Deus é Amor como incansavelmente afirma São João (1 João 4,
16), atribuir a ele nossas dores é apresentar um rosto desfigurado.
Vamos refletir.
Para isso tomo dois fatos bíblicos. Um do Antigo Testamento (1 Reis 17,20-24).
Outro narrado pelo Evangelho de Lucas (7,11-17).
O texto do Livro
dos Reis mostra uma viúva que acolhe em sua casa o profeta Elias. O filho da
viúva, uma criança, adoece e morre. Para a viúva, o fato de ter recebido um
homem de Deus em sua casa, fez com que Deus se lembrasse dos pecados dela e a
castigasse com a morte do filhinho. O profeta Elias também pensa no castigo já
que caminhava numa época de seca, vista também como castigo de Deus em razão
dos desvios do povo. Todavia implora a Deus para que faça o menino reviver.
Deus atende seu pedido e ele devolve o filho à mãe.
No texto de São
Lucas Jesus, à entrada da cidade de Naim, encontra o enterro de um jovem, filho
único de mãe viúva. Jesus, tomado de compaixão pela mãe, ressuscita o jovem.
São Lucas usa somente três vezes o verbo “splangnizomai” que significa “comover
as entranhas”.
O verbo vai parecer
também nas parábolas do bom samaritano (10,29-37) e naquela que leva o nome de
filho pródigo (15,11-31).
As duas, e mais o
fato de Naim, fazem aparecer o termo misericórdia que é composto pelo verbo
colocar e pela palavra coração, significando colocar o coração naquilo que se
faz, naquilo que se diz. Comover com sentimento entranhado e colocar o coração
se contrapõem, a meu ver, com castigo e provação. Se no Antigo Testamento a
linguagem pedagógica da Bíblia falava num Deus irascível, vingativo, o Novo
Testamento fala de um Deus que é essencialmente amor e que por amor nos enviou
seu Filho para que nele tivéssemos vida João 10,10). É preciso ter clareza que
Deus não castiga ninguém nem tem prazer com a destruição do pecador. Deus quer
que quando erramos nos convertamos, nos corrijamos (Ezequiel 33). Igualmente
creio que Deus não prova ninguém. Porque não há nada que ele desconheça. Nada é
escondido ou surpreendente para Deus (Salmo 139 ou 138).
Nós sim podemos ver
em sofrimentos, dores e até em catástrofes uma linguagem que nos leve a pensar
e agir na direção de melhorarmos nossos comportamentos e cuidados com nossas
vidas e com a natureza. Nada me proíbe de ver numa situação difícil um modo de
perceber se continuo confiando em Deus num momento de dor. Sou eu quem deve
provar a Deus que continuo acreditando no seu amor num momento em que sofro a
doença, a morte, um insucesso. E a base deste crer na dificuldade está na
certeza de que Deus quer sempre o Bem e sua vontade é sempre o Bem. Deus não
quer o mal nem o sofrimento. Geradores de dores são os comportamentos humanos.
Os descuidos consigo e com o mundo que nos rodeia.
Costumo dizer – e
creio nisso – que se todos nos tratássemos como irmãos e irmãs ficaríamos
devedores das limitações naturais: uma doença que chega, a morte que
acontecerá. Não teríamos corrupção, mentira, abuso de poder, desvios de
condutas, etc. E mesmo diante da doença e da morte viveríamos a solidariedade
fraterna e a certeza de fé de que a última palavra é a de Deus: ressurreição e
Vida. O desafio é viver assumindo que nossas limitações físicas e afetivas são
sempre consequência de nossos comportamentos. E que a dificuldade de mudar
nossas atitudes faz atribuir a Deus as medidas que nos fazem sofrer. Os
cristãos têm a missão de anunciar a verdadeira face de Deus. Aquela que ficou
visível na pessoa de Jesus Cristo (João 14, 8-11).
Mons. Giovanni Barrese, Pároco da Igreja Matriz de São João Batista de
Atibaia/Diocese de Bragança Paulista, colunista do “Jornal da Cidade” e um dos
apresentadores do Programa “Orar é Amar” da RIC 107,1 FM.
http://www.miliciadaimaculada.org.br
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