Em Deus está a vida, toda a vida, Ele é a própria vida. Ora,
não é nas obras exteriores, como a Criação, que o Ser infinito manifesta essa
vida do modo mais intenso, mas sim no que a teologia chama de operações ad
intra: essa atividade inefável cujo termo é a geração perpétua do Filho e a
incessante processão do Espírito Santo. Essa é, por excelência, a sua obra
essencial, eterna.
A vida terrena de Nosso Senhor Jesus Cristo foi a
realização perfeita do plano divino. Trinta anos de recolhimento, seguidos de
quarenta dias de retiro e penitência, prepararam a sua curta carreira
evangélica; e, durante as suas jornadas apostólicas, quantas vezes ainda, O
vemos retirar-se para as montanhas ou para os desertos, a fim de orar: “Ele
retirava-Se para lugares solitários e entregava-Se aí à oração” (Lc 6,
12). Rasgo ainda mais significativo: Marta
deseja que o Senhor, condenado a suposta ociosidade de sua irmã, proclame a
superioridade da vida ativa; a resposta de Jesus: “Maria escolheu a melhor
parte” (Lc 10, 42), consagra a importância da vida interior. Jesus quis, pois,
fazer-nos ver, claramente, a preponderância da vida de oração sobre a vida
ativa.
Os apóstolos, fiéis aos exemplos do Mestre, reservaram para
si o ofício da oração e o ministério da palavra, deixando as ocupações mais
exteriores aos diáconos: “Quanto a nós, entregar-nos-emos, assiduamente, à
oração e ao exercício da palavra” (Act 6,4).Os Papas, os santos doutores e os teólogos
afirmam, por sua vez, que a vida interior é superior à vida ativa.
Há alguns anos, uma mulher, de grande virtude e caráter –
superiora geral de uma das mais importantes congregações de Aveyron – foi
convidada pelos superiores eclesiásticos a favorecer a secularização das suas
religiosas.
Deveria sacrificar as obras à vida religiosa, ou
abandonar esta para conservar aquelas? Perplexa, querendo conhecer a vontade de
Deus, partiu, secretamente, para Roma, obteve uma audiência de Leão XIII,
expôs-lhe as suas dúvidas e a pressão que sofrera a favor das obras.
Após alguns instantes de recolhimento, o Pontífice
deu-lhe esta peremptória: “A conservação na vida religiosa das suas filhas, que
tiverem o espírito do seu santo estado e o amor à vida de oração, é preferível
a qualquer obra. Se não conseguir conservá-las nesse espírito e nessa vida,
Deus suscitará em França outras vocações. A sua vida interior, orações e
sacrifícios, serão mais úteis à França se continuarem como verdadeiras
religiosas, do que se forem privadas dos tesouros da sua congregação a Deus”.
Numa carta dirigida a um importante instituto
exclusivamente dedicado ao ensino, São Pio X manifestou o seu pensamento com as
palavras seguintes:
“Chegou ao Nosso conhecimento que começa a difundir-se
uma opinião, segundo a qual vós deveríeis considerar como prioritária a
educação das crianças e, apenas em segundo lugar, a vossa profissão religiosa:
que assim o exigiriam o espírito e as necessidades dos tempos. De foram alguma
queremos que tal opinião encontre o mínimo crédito, seja da vossa parte, seja
da parte dos demais institutos religiosos dedicados à educação, como o vosso.
Fique, portanto, bem assente, pelo que vos toca, que a vida religiosa é
muitíssimo superior à vida comum e que, se estais gravemente obrigados ao dever
de ensinar o próximo, muito mais graves são as obrigações que vos vinculam a
Deus”.
Não é, porventura, a aquisição da vida interior o fim
principal da vida religiosa?
“A vida contemplativa – diz o Doutor Angélico – é melhor
que a vida ativa, e preferível a ela”.
S. Boaventura acumula os superlativos, para mostrar
a excelência desta vida interior: “Vida mais sublime, mais segura, mais rica,
mais suave, mais estável”.
“Vida mais sublime”. A vida ativa ocupa-se dos
homens, a vida contemplativa faz-nos entrar no domínio das mais altas verdades,
sem desviar os olhos do próprio princípio da vida.Principium quod Deus est
quaeritur. Os seus horizontes são
sublimes e o seu campo de ação incomparavelmente amplo: “Marta, num só lugar,
entregava-se a vários trabalhos físicos. Maria, pela caridade, trabalha em
muitos lugares e em numerosas obras. Contemplando e amando a Deus, tudo vê,
tudo compreende e abarca. Pode, pois, dizer-se que, em comparação com Maria,
Marta tem poucas inquietações”.[1]
“Vida mais segura”. Há menos perigos nesta vida.
Na vida ativa, a alma agita-se, torna-se febril, dispersa as suas energias e
debilita-se. “Marta, Marta, andas inquieta – disse o Senhor - e
perturbada com muitas coisas; mas uma só é necessária” (Lc 10, 41-42). Há,
pois, aqui um tríplice defeito: “andas inquieta”: são as inquietações do
pensamento; “perturbada”: são as perturbações provenientes das afeições; enfim,
“com muitas coisas”: são as múltiplas ocupações, que originam a divisão de
esforços. Ao invés, uma só causa se impõe para constituir a vida interior: a
união com Deus. O resto só pode ser secundário, e só se justifica se fortalecer
tal união.
“Vida mais rica”. Com a contemplação, alcançam-se
todos os bens: “Com ela me vieram todos os bens” (Sab 7, 2). É a parte
excelente: “Ela escolheu a melhor parte, que lhe não será tirada” (Lc 10,42).
Recolhe mais méritos. Por quê? Porque fortifica a vontade e aumenta a graça
santificante, levando a alma a operar por um princípio de caridade.
“Vida mais suave”. A alma verdadeiramente interior
abandona-se à vontade de Deus, aceita, com inalterável paciência. Tanto as
coisas agradáveis como as penosas, e chega a mostrar-se alegre no meio das
aflições, feliz por carregar a sua cruz.
“Vida mais estável”. Por mais intensa que seja, a
vida ativa tem o seu termo neste mundo: pregações, ensinamentos, trabalhos,
tudo isso cessa no limiar da eternidade. Mas a vida interior não conhece
ocaso. Por meio dela, a passagem por este
mundo é uma contínua ascensão para a luz, ascensão que, após a morte, se torna,
incomparavelmente, mais rutilante e mais rápida.
Para resumir as excelências da vida interior, podem-se
lhe aplicar estas palavras de S. Bernardo: “Nela, o homem vive com mais pureza,
cai mais raramente, levanta-se mais depressa, anda com mais cautela, é
consolado pelo Céu com mais frequência, descansa com mais segurança, morre com
mais confiança, é purificado mais depressa, e é premiado com mais
abundância”.[2]
[1] Ricardo de S. Victor, in Cant., 8.
[2] São Bernardo, Hom. Simile est... bom.
neg.
Fonte: A alma de todo o apostolado – J. B.
Chautard.
Meu Deus, que artigo lindo! Realmente você é uma pessoa muito especial para Deus. E demonstra realmente uma vivência espiritual muito profunda.
ResponderExcluirObrigado pela visita!Que Deus o ilumine e fortifique nessa caminhada rumo à perfeita comunhão com o Cristo, Nosso Senhor Jesus.
ResponderExcluir