9 de fev. de 2014

Amor sem cruz nunca será amor

Só abraçando a dor, amando a própria cruz, é que se passa da dor ao amor.


Há poucos dias em conversa com um amigo ele me dizia: “Até hoje na minha vida o amor só foi sofrimento”. É um jovem adulto que vive a experiência de não ser amado e compreendido em seus desejos e sentimentos e com isso sente fortemente o desejo de amar, porém não encontra o espaço que dê a segurança de um verdadeiro amor.

Essa situação acaba sendo um drama, que repercute em dores físicas e psicológicas. A capacidade de amar se transforma em sofrimento. Eu tenho a certeza que só abraçando a dor, amando a própria cruz é que se passa da dor ao amor.

A dor, a cruz não é o fim e sim meio, passagem para poder amar de verdade. Na medida em que se assume a perda, a ausência, a incompreensão, a solidão, a traição, o desentendimento, enfim as contrariedades doídas da vida, se passa imediatamente ao amor. Permanecendo na cruz nunca haverá ressurreição.

Essa experiência de abandono, do amor sofrido, recorda a própria experiência de Jesus que, na dor agonizante, suando sangue, grita: “Meu Deus porque me abandonastes. Porém, não se faça a minha e sim a tua vontade” (Mt 27,46). Não dá para fugir e muito menos fazer de conta. O mestre, assume mesmo sem entender. O que lhe espera não é o “Hosana, o Bendito que vem em nome do Senhor”, e sim o “crucifica-o”. Assume a dor doída até a morte. Vence porque foi até o fim. “Só quem passa pelo fogo da dor chega ao incêndio do amor”.Amor sem cruz nunca será amor. Em qualquer momento seremos surpreendidos pela alegria ou pela tristeza, em qualquer desses momentos, o importante é amar.

Nestes dias li que o Papa Francisco reza seguidamente o testamento de sua vó, que realmente é uma oração forte e poderosa. Tenho a certeza que esse é o caminho sem o qual a dor não passa e o amor vira sofrimento. Assim está no testamento: “Que os meus netos, a quem dei o melhor de mim mesma, tenham uma vida longa e feliz. Mas se um dia a dor, a doença ou a perda de um ente querido os encher de aflição, que não se esqueçam jamais que um suspiro diante do Tabernáculo, onde se guarda o maior e mais venerável dos mártires, e um olhar a Maria ao pé da cruz, podem fazer cair uma gota de bálsamo sobre as feridas mais profundas e dolorosas.” (Fragmento do testamento da Vovó doPapa Francisco).

“Nem Deus resiste a um homem de joelhos”. Expressão forte e profundamente verdadeira. Deus não precisa de nossos joelhos e muito menos de nossas lágrimas, porém, a nossa condição fragilizada e mesquinha exige buscar em Deus, a luz e se entregar de corpo e alma para passar da dor ao amor.

Recomeçar sempre sem olhar para trás, com os pés no chão de nossa natureza humana, amada e resgatada para sempre, nos faz dignos de amar e ser amados. O caminho é o amor, mesmo sabendo que ele é fruto da perseverança no caminho da cruz. “Nada nos separará do amor de Cristo...nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do futuro, nem os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura” (Rm 8,38-39). Senhor me ajude a passar da dor ao amor, abraçando a minha cruz de cada dia. Eu sei que o amordói, mas sem ele a vida não tem sentido. Amém. Abençoada semana pra nós!

(Artigo de Dom Anuar Battisti, arcebispo de Maringá, publicado originalmente pela CNBB)

Fonte: CNBB

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