Eis aí uma característica essencial da oração cristã: a perseverança. E a partir desta constatação somos levados à seguinte reflexão: qual é a garantia que nós podemos ter de que Deus vai ouvir às nossas súplicas, em nossas necessidades?
Que a perseverança na oração é muito importante nós já sabemos, porque os Evangelhos insistem muito nisso. O próprio S. Lucas acrescentou ao seu Evangelho aquela outra conhecida parábola do amigo inoportuno, que vai à casa de seu vizinho em plena noite batendo para pedir três pães. Ele tanto insiste que o outro, para se ver livre dele, acaba atendendo-o (Lc 11,5-8).
No capítulo 15 de S. Mateus temos o episódio da mulher cananeia que não se cansa de pedir até ser atendida, chegando a se comparar, ela mesma, aos cachorrinhos que se alimentam das migalhas que caem da mesa de seus donos. Novamente a importância da insistência, da perseverança na oração.
Todas essas passagens nos mostram a importância de não só nos aproximarmos de Cristo, mas de persistirmos em nossas orações, em nossos pedidos a Ele. Mas precisamos tirar de nossas cabeças a ideia de que a perseverança e a insistência são necessárias para "dobrar o Coração de Deus”. Não se trata disso. Pelo contrário, nós precisamos da perseverança e da insistência porque o nosso coração é que não se dobra com facilidade.
Nesse estudo vamos examinar quais são as características da oração infalível, isto é, como devemos rezar para que tenhamos a mais absoluta certeza de que a nossa oração vai ser atendida. Em determinadas situações, não adianta ficar como que “batendo a cabeça na parede” ou “dando murro em ponta de faca”, como se diz popularmente. Não adianta insistir do jeito errado, persistindo num engano. Existem fundamentos, características próprias que fazem com que uma oração seja infalível, e elas foram dadas por Graça a todo aquele que crê.
Já entre os “evangélicos” é comum o uso da passagem do Evangelho segundo S. João (13,13-14) como uma espécie de muleta verbal para toda e qualquer situação: em praticamente tudo o que dizem, acrescentam ao final da frase um curioso: “Em nome de Jesus!”... A dona de casa diz que vai preparar o almoço de hoje “em nome de Jesus!”. O vendedor diz que vai bater a sua meta mensal “em nome de Jesus!”. A filha diz que vai tirar um “A “na prova de matemática “em nome de Jesus!”... Sim, qualquer comentário dessas pessoas, sobre qualquer assunto, é seguido sempre de um “em nome de Jesus!”, mesmo que seja uma fofoca sobre a vida de um vizinho, por exemplo, e até para contar ou rir de uma piada, muitos deles finalizam com um inevitável e impensado “em nome de Jesus”. Foi filmado e noticiado, recentemente, que até os deputados corruptos da nossa bancada "evangélica" andaram agradecendo pela roubalheira “em nome de Jesus!”...
Interessante é que, agindo assim, essas pessoas não percebem que estão desobedecendo ao Segundo Mandamento, que diz: "Não tomareis o Santo Nome do SENHOR, vosso Deus, em vão". - O Nome de Deus não é amuleto, não é um talismã para ser usado como uma garantia de sucesso em tudo o que se fizer, como se Ele fosse atender a todos os nossos caprichos só por usarmos o seu Nome.
Existe uma oração que é sempre infalível
Deixando de lado essas interpretações equivocadas das Sagradas Escrituras, é importantíssimo saber que existe, sim, uma oração que é sempre infalível, ou um jeito de pedir a Deus infalivelmente. Há um jeito certo de dirigir a Deus as nossas súplicas, e é isto o que iremos investigar neste estudo.
É o próprio Evangelho que nos dá esta garantia. Em S. Mateus 7, 7-8, o Cristo diz: “Pedi e se vos dará, buscai e achareis, batei e vos será aberto...”
No mesmo Evangelho Segundo S. Mateus (21,22), o Senhor reafirma: “Tudo o que pedirdes com fé, na oração, vós o alcançareis”.
No discurso de despedida de Jesus, no Evangelho segundo S. João, o SENHOR insiste nessa mesma questão: “Tudo o que pedirdes ao Pai em meu Nome, vo-lo farei, para que o Pai seja glorificado no Filho. Tudo o que pedirdes em meu Nome, vo-lo darei” (Jo 14, 13-14). Mais adiante, novamente: “Se permanecerdes em Mim e as minhas palavras permanecerem em vós, pedireis tudo o que quiserdes, e vos será feito” (Jo 15, 7).
E prossegue o Salvador: “Naquele dia não me perguntareis mais coisa alguma. Em verdade, em verdade vos digo: o que pedirdes ao Pai em meu nome, ele vo-lo dará. Até agora não pedistes nada em meu nome. Pedi e recebereis, para que a vossa alegria seja perfeita” (Jo 16,23-24).
Nosso Senhor parece estar prometendo, garantindo que realmente existe uma infalibilidade para a oração do cristão que tem fé. Por outro lado, o Apóstolo S. Tiago nos diz em sua Epístola: “Pedis e não recebeis, porque pedis mal...” (Tiago 4,3). Por quê?
O grande problema é que, se por um lado temos uma evidência de fé, registrada nas Sagradas Escrituras, por outro lado temos a refutação que vem dos simples fatos. Ora, muitas vezes pedimos e não recebemos, procuramos e não encontramos, batemos à porta e ela não abre.
Fica assim para nós evidente que há um modo certo de pedir, e que se soubermos pedir, se conhecermos realmente esta forma de “oração infalível”, então seremos sempre atendidos.
A fórmula da oração infalível: as quatro exigências
Sendo assim, afinal, como é que podemos ter essa garantia, dada pelo próprio Senhor, de que nossa oração será infalivelmente atendida? Muitos católicos não sabem que Sto. Tomás de Aquino já desvendou e esclareceu muito bem a essa pergunta, na segunda seção da segunda parte da Suma Teológica (questão 83, artigo 15), onde, num resumo precioso, ele diz o seguinte: “Quatro são as condições exigidas simultaneamente para que sempre se receba o que se pediu na oração”.
São, portanto, quatro exigências, quatro requisitos, quatro características da oração que é atendida sempre, e que precisam estar presentes em nossas súplicas para que infalivelmente sejam atendidas, - pois é esta a Promessa de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. - Se faltar uma delas, falta a garantia divina: se falta algum destes pontos, é uma oração que poderá ser ou não atendida, mas não se aplica a ela, necessariamente, a Promessa de Cristo que acabamos de ver.
Quais são, então as quatro exigências para que a oração seja sempre, infalivelmente, atendida? Vejamos a lista desenvolvida por Sto. Tomás de Aquino:
1. Que se peça para si;
2. Que se peçam coisas necessárias a salvação;
3. Que se peça piedosamente;
4. Que se peça com perseverança.
Vemos claramente que o último item trata daquilo falamos logo no início e que consta do Evangelho de S. Lucas (11,5-8; 18,1-8): a perseverança. Ocorre, porém, que às vezes perseveramos demais em pedidos errados, e nunca somos atendidos. Por isso é que cada ponto dessa lista é importante. Cada um deles é um elemento que se liga ao outro, e juntos formam um conjunto coeso.
Assim, Sto. Tomás diz que, em primeiro lugar, a sua oração será atendida infalivelmente se você pedir para si mesmo. Esta exigência pode em princípio causar algum espanto ou surpresa, porque alguns poderão ver aí uma aparência algo egoísta, coisa tão contrária a tudo o que Jesus pregou. Mas não se trata disso. Ocorre que Deus nos abençoa conforme a nossa disposição, a nossa entrega, o nosso desejo sincero e a nossa fé. Ou seja, Deus quer derramar a sua Graça sobre nós, e quer derramá-la abundantemente, mas é preciso que estejamosdispostos a isso.
Quando pedimos pelo outro, - e devemos, sim, fazer isso, - nós não temos a garantia de que aquela oração vai ser atendida, porque Deus respeita a nossa liberdade. Nem sempre adianta rezarmos por uma pessoa que não está aberta, que não está disposta a receber a Graça. Podemos e, insisto, devemos pedir pelo nosso próximo, e Deus poderá conceder o que pedimos por um ato de Misericórdia. Mas esta não é uma oração infalível, porque a Graça depende, em parte, daquele que a recebe, e nós não podemos nos comprometer pelo outro, já que não podemos interferir na sua liberdade.
Já quanto pedimos para nós mesmos podemos nos comprometer, e já estamos assim usando de uma das condições necessárias para que sejamos atendidos infalivelmente conforme as Promessas de Nosso Senhor.
Segunda condição: você precisa pedir coisas necessárias à sua salvação, o que por sua vez vai auxiliar na salvação dos outros. Se pedimos algo como uma cura ou que um sofrimento seja afastado, ou ainda que uma dívida seja sanada, por exemplo, não temos necessariamente a Garantia Divina para estas orações, porque nada disso é intrinsecamente necessário à nossa salvação.
Deus pode nos atender, - e sabemos o quanto nos atende, - se pedimos com fé mesmo algo que não se enquadre nessa segunda exigência. Mas nós só podemos ter a plena certeza de que seremos atendidos quando pedimos coisas necessárias para a salvação de nossas almas.
Assim, por exemplo, você pode pedir pelas virtudes, por uma graça que fortaleça o seu espírito para seguir Jesus; pode pedir por fortaleza ou prudência para não cair em pecado, pode pedir a graça de não morrer em pecado grave, pode pedir que determinada tentação o deixe... Coisas como essas, quem pedir receberá infalivelmente, desde que o pedido se enquadre também nas outras três condições.
A terceira condição é pedir piedosamente e, então, precisamos entender também: o que é uma oração piedosa?
* Em primeiro lugar, é uma oração humilde. S. Tiago, em sua epístola, nos lembra um versículo do Livro dos Provérbios que diz: “Deus resiste aos soberbos, mas dá sua Graça aos humildes (Tg 4, 6 - citando Pr 3,34)”
A oração piedosa é uma oração humilde, em que você se coloca diante de Deus, literalmente, como um mendigo, suplicante. Você não se coloca diante de DEUS como alguém que está ali “exigindo os seus direitos”, com arrogância, sem temor. É preciso saber reconhecer a sua incapacidade, e, ao mesmo tempo o Poder e a Grandeza de DEUS.
** Segunda coisa, a oração piedosa é feita com firmeconfiança. S. Tiago diz: “Mas peça-a com fé, sem nenhuma vacilação, porque o homem que vacila assemelha-se à onda do mar, levantada pelo vento e agitada de um lado para o outro. Não pense, portanto, tal homem que alcançará alguma coisa do Senhor, pois é um homem irresoluto, inconstante em todo o seu proceder. Mas que os irmãos humildes se gloriem de sua elevação”... (Tg 1,6-9)
A oração piedosa é, portanto, confiante. Interessante notar, neste ponto, que o próprio Senhor Jesus Cristo, por diversas vezes, antes de conceder alguma graça, perguntava antes a quem lhe pedia se realmente confiava nEle, como vemos na passagem de S. Mateus: "E, partindo Jesus dali, seguiram-no dois cegos, clamando, e dizendo: ‘Tem compaixão de nós, filho de Davi!’. E, quando chegou à casa, os cegos se aproximaram dele; e Jesus disse-lhes: ’Credes vós que eu possa fazer isto?’; disseram-lhe eles: ‘Sim, Senhor!’. Tocou então os olhos deles, dizendo: ‘Seja-vos feito segundo a vossa fé’. E os olhos se lhes abriram”. (Mt 9, 27-30).
Os cegos confiaram e, por confiarem, foram atendidos. Pedir crendo, sem vacilação: eis aí a segunda exigência.
*** Terceira característica essencial da oração piedosa:pedir em Nome do Cristo. Por isso as orações litúrgicas quase sempre se encerram da mesma maneira: “Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho...” – Em Nome do Senhor, nossa oração é piedosa (nossa oração, e não tudo que dissermos, pois não queremos tomar o nome de Deus em vão).
**** Por fim, para que uma oração seja piedosa, precisa ser feita com atenção. Quando pedimos displicentemente, sem prestar atenção ao que estamos dizendo, é uma irreverência que não cabe quando nos dirigimos ao Criador.
A quarta e última exigência da oração infalível, segundo S. Tomás de Aquino, é a perseverança. E foi sobre esta que inciamos este estudo, falando do amigo inoportuno, da viúva e do juiz, da mulher cananeia... Mas podemos usar também o exemplo direto do próprio Jesus:
O capítulo 6 do Evangelho segundo S. Lucas, por exemplo, narra como Jesus passou a noite orando a Deus. No Horto das Oliveiras, antes de se entregar em Sacrifício, vemos que Jesus dá o exemplo de perseverança quando, cheio de angústia, orava com insistência, e no Evangelho segundo S. Marcos vemos como o Cristo rezava antes de Judas o trair: "E, afastando-se de novo, orava dizendo novamente a mesma coisa..." (Mc 14, 39). O próprio Senhor, Deus feito homem, insistia e persistia a Deus Pai em sua súplica.
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Temos assim quatro exigências, quatro características básicas da oração que é sempre infalível. Se você tiver estas quatro características em sua oração, ela será infalível. Não se trata de colocar a sua confiança em “orações de poder”, "novenas infalíveis" ou pensar que a intercessão de algum santo das “causas impossíveis” é que vai fazer com que você sempre receba o que pede. Sem essas quatro condições, seu pedido até poderá ser atendido, sim (pois a Misericórdia Divina é infinita), mas a sua oração não se enquadrará na Promessa infalível de Nosso Senhor Jesus Cristo.
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** Baseado na homilia do 29º Domingo do Tempo Comum, de Pe. Paulo Ricardo de Azevedo Jr., disponível em audio em
http://padrepauloricardo.org/episodios/29-domingo-do-tempo-comum-a-oracao-infalivel