Reflexão do Evangelho de (Lc 18, 9-14) 30° semana do Domingo Comum
Certamente, como no
Domingo passado, caríssimos Irmãos, a Palavra do Senhor que a Igreja nos faz
ouvir nesta santíssima Eucaristia trata ainda da oração; e da oração humilde,
aquela que no dizer do Eclesiástico, “atravessa as nuvens e enquanto não chegar
não terá repouso; e não descansará até que o Altíssimo intervenha”.
Vede, irmãos, que aqui, como há oito dias, ainda
se fala da súplica, ainda se fala da perseverança, da teimosia em pedir e pedir
e continuar pedindo sem repouso, até que o Altíssimo intervenha, como interveio
para justificar o pobre e humilde publicano do Evangelho que escutamos e para
salvar o Apóstolo de todo mal.
Mas, permiti que vos
mostre um outro tema, anterior ao da oração, fundamento de toda oração, que
também aparece hoje.
Ouvistes o Eclesiástico? Que diz? Afirma que o
Senhor não discrimina ninguém, que não é parcial nos Seus juízos, que escuta a
oração do oprimido, que nunca despreza o pobre e o órfão, que acolhe a prece do
humilde... Afirmações comoventes!
Mas, atenção: é isto que vemos ao nosso redor?
Ah, quanta dor não sarada, quanta lágrima não estancada, quanta tristeza não
consolada, quanta morte não redimida!
E o publicano, que o Senhor Jesus garantiu que
voltou para cada justificado? Quem viu essa justificação? Viu-se a empáfia do
fariseu orgulhoso, viu-se a humilhação do publicano... Mas, a justificação,
quem a viu?
E o Apóstolo, na Epístola que escutamos?
Combateu perseverante o bom combate, completou fiel a corrida, guardou firme a
fé. E o que ganhou? O abandono dos irmãos mais próximos, a solidão na hora de
comparecer ao tribunal e a certeza de que seria condenado à morte! É verdade
que ele, esperançoso e fiel, garante: “O Senhor me libertará de todo mal e me
levará para o Seu Reino celeste”. Mas, quem viu? Viu-se o abandono no tribunal,
viu-se o sofrimento, viu-se a condenação e a decapitação... Mas, ninguém viu a
entrada no Reino celeste...
Não vos escandalizeis,
irmãos! Não vos digo isto para incitar-vos à descrença ou à rebelião contra o
Senhor Deus!
Apenas desejo chamar-vos a atenção para algo
profundo que aparece nas leituras de hoje: a necessidade absoluta da fé para
caminhar com Deus! Eis o tema que desejo colocar no vosso coração!
Diz a Escritura Sagrada
que “a fé é a certeza daquilo que ainda se espera, a demonstração de realidades
que não se veem” (Hb 11,1). Diz também que “por ela – pela fé – os antigos
receberam um bom testemunho de Deus” (Hb 11,2).
Eis, meus irmãos, o que gostaria que gravásseis
hoje no coração: é impossível agradar a Deus, caminhar com Deus, ser humilde
realmente diante do Senhor Deus sem a fé!
Digo isto porque muitas vezes não vemos na
prática, no dia a dia, aquilo que nos foi prometido pelo Senhor; muitas vezes
parece que a realidade visível desmente miseravelmente a invisível realidade na
qual cremos e em que esperamos!
Atentos, irmãos, que crer é coisa séria, crer
deve impregnar a nossa vida, formatar a nossa existência! Mas, crer não é
compreender tudo, ter na palma da mão a explicação, ter tudo sob controle! Nada
disso: crer é abandonar-se ao Senhor, Nele confiar totalmente, absolutamente,
caminhando como se já víssemos o invisível e já possuíssemos em plenitude
aquilo que ainda esperamos na penumbra e na certeza da fé! Só assim, como
nossos antepassados, poderemos receber um bom testemunho de Deus, ser chamados
de Seus amigos, como Abraão, e receber a coroa da glória como prêmio.
Agora, dizei-me? Quem
pode levar realmente a sério a palavra do Eclesiástico e, assim, teimar em
continuar rezando, suplicando ao Eterno por justiça, perseverando no bem,
humildemente entregando a Ele a sua causa, mesmo quando a realidade perece
desmentir tudo?
Respondo: somente quem crê de verdade, quem de
verdade arrisca a vida, a única vida que possui, apostando-a na Palavra do
Senhor!
Quem ousaria de verdade ter certeza de que, por
grande que seja a miséria humana – até a do ladrão publicano, que desprezou a
Lei do Senhor e certamente roubou o próximo – por grande que seja o seu próprio
pecado, o pecado dos outros, o pecado de um mundo tão afastado de Deus, Ele, o
Senhor, é capaz de justificar, de perdoar, de renovar o transgressor
arrependido que de verdade reconhece seu pecado e confessa sua culpa? Quem pode
de verdade levar isso a sério e, assim, tomar o caminho de uma verdadeira e
humilde conversão?
Somente quem crê de verdade, quem
verdadeiramente começa a olhar e sentir tudo com os olhos da fé, que são os
olhos de Deus!
E ainda, quem pode perseverar na corrida para
Cristo, como o Apóstolo? Quem pode estar disposto a oferecer a vida em libação,
isto é, em sacrifício até a morte violenta, esperando a Vida gloriosa após a
morte? Quem pode, quem se dispõe, quem arrisca?
Eu vos digo: somente quem de verdade crê, quem
de fato, movido pela fé, ama!
Irmãos, o cristianismo
não pode se resumir a palavras bonitas, a pensamentos belos, a boas intenções!
O cristianismo funda-se na fé, que dá a certeza de que Deus é Deus e enviou o
Seu Filho; de que Jesus assumiu nossos pecados,e, morrendo, destruiu nossa
morte e, ressuscitando verdadeiramente, abriu-nos o caminho da Vida
imperecível! Se realmente crermos nestas coisas, vale a pena sermos humildes
como o orante da primeira leitura, vale a pena entrarmos no caminho da
conversão do publicano do Evangelho, vale a pena a fidelidade até a morte, que
o Apóstolo testemunhou na Epístola!
- Senhor, Deus bendito! Nós cremos, mas, por
misericórdia, aumenta a nossa fé, sustenta a nossa fé, faz-nos perseverantes na
fé!
Tantos dizem que és o Ausente, o Nada, o Omisso!
Senhor, é tanta a tentação de nos vermos
sozinhos na corrida da vida!
Tantos gritam a Tua morte!
Expulsam-Te de nossas leis, das decisões
importantes, dos critérios que norteiam a vida da sociedade, da coração de
nossas famílias, da consciência do nosso povo...
A noite cai, faz frio!
Fica conosco, revela-nos Tua presença bendita,
aquece-nos com o dom de uma fé firme, inabalável, ó Deus bendito, Deus real,
Deus concreto, Deus presente, Deus eternamente misterioso, Tu que és
misteriosamente Pai e Filho e Espírito Santo, que vives e reinas para sempre.
Amém.
Texto : Dom Henrique Soares da Costa